DISCUSSÃO
Após uma história clínica detalhada, onde o mecanismo que originou a lesão é conhecido, o cirurgião inicia o seu raciocínio diagnóstico. Por vezes a dor é intensa e dificulta a exploração física, sendo que a única informação que aporta ao clínico é a da possibilidade de um traumatismo de elevada energia. O primeiro aspeto a considerar e que obriga o cirurgião a pensar na possibilidade de uma fratura oculta é a discrepância entre o quadro clínico e as imagens radiográficas. Sabemos que na criança a extremidade distal do úmero se apresenta cartilagínea pelo que nem sempre a radiografia é objectiva no diagnóstico.
Apesar disso o meio auxiliar de diagnóstico de primeira linha é a radiografia. É de suma importância avaliar uma incidência em anteroposterior e outra de perfil, feitas de forma correta. As incidências obliquas podem ser úteis em particular na avaliação das fracturas do côndilo externo.
Sugerimos uma análise dos exames sistematizada segundo a metodologia ABCS5. É necessário confirmar que o exame é adequado (A) e feito de forma correta, O cirurgião deve estar familiarizado com o padrão de desenvolvimento do cotovelo.
É extremamente útil conhecer a idade do aparecimento das estruturas osteoarticulares do cotovelo na infância e adolescência, para poder distingui-lo de possíveis alterações anómalas. O cotovelo tem seis centro de ossificação secundaria. O primeiro a ser visível nas radiografias, aos dois anos de idade, é o capítulo, seguido do rádio, epicôndilo umeral interno, tróclea, olecrânio e epicôndilo umeral externo. Surgem com aproximadamente dois anos de intervalo2.
Na incidência de perfil, de um cotovelo saudável, ao traçar uma linha longitudinal ao eixo do radio, esta deve intersetar o centro do capítulo, seja qual for a posição do cotovelo, é a chamada linha radiocapitelar. Já a linha imaginária adjacente à cortical umeral deve intersectar o terço anterior do capítulo. Também nesta incidência se espera encontrar o sinal da ampulheta. O angulo entre a diáfise e o côndilo umeral externo deve ser de 45º.
A letra “B” (bones) refere-se à solução de continuidade óssea do periósteo, e por tanto, à avaliação de fraturas ou outra alteração do tecido, como possíveis alterações do trabeculado ósseo.
Em crianças a congruência articular, letra “C”, e dos centros de ossificação secundários é de suma importância já que a maioria das fraturas atinge as placas de crescimento dificultando o diagnóstico.
A letra “S” faz referência à avaliação dos tecidos moles (soft tissue). O sinal da bolsa de gordura (fat pad sign), melhor apreciado na incidência em perfil, denuncia uma efusão articular, e muito provavelmente patologia traumática. Este pode ser o único sinal radiográfico de uma fratura do cotovelo na infância.
No caso que apresentamos a radiografia inicial se observada com atenção mostra já alguns sinais de fratura da cabeça do rádio não valorizados, e um olhar mais atento mostraria uma fina lâmina de maior densidade no compartimento anterior. Atendendo a que o doente não foi visto por um ortopedista é lícito que estes dados não tenham sido valorizados inicialmente. Todavia nos doentes em que existe uma discrepância entre o quadro clínico e os exames radiográficos recomenda-se sempre uma 2ª observação em consulta de ortopedia pois não é infrequente um mecanismo de luxação posterior que reduz espontaneamente, pelo que quando o doente é observado no serviço de urgência a lesão é de difícil valorização.
Neste caso pensamos que o mecanismo de lesão terá provocado o impacto da cabeça do rádio contra o capítulo levando á fratura da mesma, seguido de rotura do ligamento lateral externo e eventual desluvamento da cartilagem do côndilo durante a redução espontânea.
Na altura da 2ª observação e perante a rigidez articular não coincidente com a radiografia inicial optou-se por realizar novos exames imagiológicos. A tomografia computorizada ajudou o cirurgião sénior a definir a gravidade do problema e a decidir não protelar a cirurgia. Em caso de diagnóstico não definido ao nível do cotovelo e perante a dúvida da presença ou não de fratura articular, com implicações na decisão terapêutica, pode estar indicada a artrografia pré-operatória, que nos dá uma definição correta das estruturas cartilagineas3,4.
A ressonância magnética tem a vantagem de definir as estruturas cartilaginosas sem expor as crianças a radiação pelo que quando existe essa possibilidade deverá ser o método de eleição.
Neste caso optou-se pela reconstrução óssea, cartilaginea e ligamentar com excelente resultado clínico aos 2 anos de pós-operatorio.
A fratura desluvamento anterior do côndilo externo do úmero num adolescente é uma situação muito rara constituindo este o 2º caso descrito na literatura. Exige uma suposição alta no seu diagnóstico e o tratamento consiste na redução anatómica da fratura.