DISCUSSÃO
A falência da artroplastia total da anca por dissociação cabeça-colo femoral secundário a desgaste ou corrosão permanece um mecanismo raro, sendo a sua prevalência desconhecida4,5. Dada a variabilidade de sintomas, é difícil quantificar os casos subclínicos ou que perderam seguimento. A causa é provavelmente multifatorial, criando um microambiente local que inicia e perpetua o desgaste e stress sobre os componentes.
No caso apresentado, identificam-se alguns dos fatores de risco mencionado nomeadamente ser do sexo masculino, com IMC de 28 Kg/m2 (próximo de 30 Kg/m2), com um diâmetro da cabeça femoral de 40mm (superior a 36mm) e um elevado offset. O valor de offset da artroplastia inicial medido no plano radiográfico foi de 59mm, superior ao preconizado (41 a 44mm). É de notar que a medição radiográfica do offset varia com a rotação da anca, sendo mais precisa a avaliação tomográfica a três dimensões. Relativamente ao tipo de implante, em 2012 a Stryker emitiu um aviso voluntário de ação de campo de produtos dispositivos médicos relativo à alta taxa de revisão das hastes ABG II, devido à reação tecidular adversa local e osteólise provenientes da corrosão ao nível da junção modular8. Em 2016, a Stryker emitiu também parecer relativo a certos diâmetros de cabeça femoral LFIT Anatomic V40, que inclui o tamanho 40+4mm1. A presença de partículas metálicas no tecido periprotésico com cerca de 2mm poderá ser consequente a interposição de tecido e incorreto encaixe dos componentes ou danificação da superfície modular dos componentes, com distribuição assimétrica do stress e perda cíclica de contacto, com corrosão da superfície de interface. Outra possibilidade ponderada é que os micromovimentos que provocam um desgaste microscópico vão progressivamente aumentando em amplitude ao longo dos anos, associado à perda de material e aumento do espaço entre as superfícies em interface, com consequente perda do press-fit entre a cabeça-colo e produção de partículas metálicas macroscópicas. O desgaste tende a ser no ponto de contacto medial devido à carga em flexão da força articular, com afunilamento.
Este parece ser um problema que afeta várias marcas de material ortopédico. Banerjee et al.2 descreveu cinco casos de dissociação cabeça-colo femoral secundário a desgaste do colo envolvendo cinco hastes diferentes, associado a um diâmetro da cabeça femoral superior a 36mm, offset elevado e IMC elevado: haste M/L Taper (Zimmer), haste Accolade TMZF (Stryker Orthopaedics), haste Bimetric (Biomet Orthopaedics), RMHS Smith and Nephew Richars e Alloclassic Zweymuller (Sulzer). Ko et al.4 apresenta uma série de casos com haste Accolade TMZF, defendendo que o desgaste pode estar associado à utilização de uma liga titânio de menor elasticidade e maior desgaste associado à utilização da cabeça femoral de crómio-cobalto. Seria de esperar um maior número de casos de falência da artroplastia se este fosse um problema universal, contudo permanece uma causa rara de revisão e não está limitado a um tipo particular de construção ou material.
Alguns passos podem ser realizados para reduzir o risco de corrosão. Na avaliação pré-operatória do doente candidato a artroplastia total da anca, deve ser tido em conta o seu índice de massa corporal, idade e exigência física diária. No intra-operatório, limpar o colo antes da impactação, adequar a força de impactação necessária ao encaixe da cabeça no colo da haste femoral, seleção dos componentes de acordo com a sua composição (ligas metálicas semelhantes ou cabeça de cerâmica), evitar cabeças de grande diâmetro ou elevado offset quando possível1,3,4.
É necessário um elevado índice de suspeita e um seguimento pós-operatório periódico para o diagnóstico precoce, prévio à ocorrência de fratura ouluxação em casos avançados de desgaste. Em indivíduos com dor de origem indeterminada, instabilidade recorrente tardia ou com fatores de risco considerar a reação adversa local associada a desgaste mecânico da interface cabeça-colo femoral como etiologia9. Recomendado a avaliação analítica por hemograma, proteína C reativa, velocidade de sedimentação, nível sérico de iões metálicos e/ou estudo da sinovial colhida via aspiração articular4,10. Na presença de níveis elevados de iões metálicos ou para avaliação da alteração de tecidos moles, deve ser requerida uma ressonância magnética na sequência de redução de artefactos metálicos4,10. Atualmente existem várias orientações relativamente à periodicidade de seguimento pós-operatório. Segundo a British Hip Society a consulta de seguimento com controlo radiográfico deve ser anual durante os primeiros cinco anos, bianual nos cinco anos seguintes e trianual posteriormente11. Contudo, não se conhece a sensibilidade da radiografia na deteção do desgaste do colo femoral e em caso de desgaste macroscópico não há evidência que suporte a substituição da cabeça femoral. A maioria dos autores preconiza a revisão da haste femoral.
O presente caso apresenta limitações como a não quantificação do nível de iões metálicos séricos nos períodos pré e pós-operatório e a carência de qualquer análise do implante. Dada a ausência de seguimento periódico após um ano da colocação da artroplastia primária, não conhecemos a evolução do desgaste do colo femoral.
Apesar de ser uma complicação rara, a sua prevalência tende a aumentar com o aumento do período de seguimento associado à crescente sobrevida global. Será importante no futuro conhecer o resultado da intervenção precoce versus tardia perante o reconhecimento de sinais radiológicos de desgaste do colo femoral nesta população específica. Ainda de realçar a importância da investigação contínua relativa aos materiais, interfaces, topografia de superfície são necessárias para minimizar as preocupações associadas à corrosão.