DISCUSSÃO
O tratamento cirúrgico da OA das articulações interfalângicas inclui a artrodese ou artroplastia5,16.
Durante décadas, a artrodese foi o procedimento standard para articulações IFP dolorosas, e os resultados funcionais foram geralmente relatados como bons8,16,19.
Embora a artrodese continue a ser uma opção segura e eficaz no alívio da dor e na otimização da estabilidade articular, a tendência atual é a melhoria da dor preservando o arco de mobilidade e estabilidade articular das articulações IFP, mesmo nos dedos radiais - através da artroplastia18,20,21.
Novos implantes, diferentes abordagens cirúrgicas e diferentes reabilitações fazem parte do desenvolvimento nesta área5. Os avanços protésicos nas pequenas articulações têm seguido os desenvolvimentos em tecnologia e materiais desde a Segunda Guerra Mundial21.
A indicação para artroplastia da articulação IFP tem aumentado, com resultados tendencialmente positivos - melhoria nos outcomes subjectivos e funcionais5.
A artroplastia da IFP pretende substituir a cartilagem danificada por um componente protésico que mantenha as características e estabilidade da articulação - que é influenciada por diversos factores como: integridade da superfície articular, competência dos tendões flexores e extensores e das estruturas capsulares e ligamentares13,22.
A escolha do implante tem sido amplamente discutida na literatura. As opções artroplásticas actuais contemplam os implantes de silicone, metal, cerâmica e pirocarbono5,6,23.
Nas últimas 4 décadas, os implantes de silicone, introduzidos por Alfred B. Swanson, no final dos anos 1960, têm sido o gold-standard para a artroplastia da articulação IFP - e continuam a ser os implantes mais utilizados. Os implantes de silicone actuam como espaçador articular para evitar o contato ou choque ósseo23-27.
Swanson et al no seu estudo original, num total de 424 artroplastias, relata 98% de satisfação dos pacientes, com melhoria ou alívio completo da dor17.
Yamamoto et al, numa revisão sistemática de 40 artigos, que relatavam resultados de diferentes tipos de artroplastias nas articulações IFP, verificou que a artroplastia com implante de silicone demonstrou melhor resultado no ganho de amplitude de mobilidade, menor défice de extensão, e teve a menor percentagem de complicações pós cirurgia entre todos os implantes6.
Herren et al, num artigo de revisão sobre a prática europeia atual no tratamento da OA da articulação IFP, reforça a noção de que os implantes de silicone são os mais tolerantes, permitindo bons resultados mesmo em casos de stock ósseo limitado e realizados por cirurgiões pouco experientes5.
Apesar das melhorias em outcomes funcionais e subjectivos descritos na literatura, em estudos de longo prazo os implantes de silicone têm demonstrado taxas de complicações de até 32%9,17,28.
A fratura do implante e a formação de quistos ósseos são as complicações mais frequentes. Os implantes têm também sido associados a outras complicações como a instabilidade lateral (com consequente diminuição da força de pinça, instabilidade articular e desgaste da artroplastia) e reações inflamatórias sinoviais (sinovite relacionada ao silicone)29,30.
O estudo original de Swanson et al, relatou uma percentagem de fratura de 5,2% (22 implantes) num total de 424 implantes. Doze dos implantes fraturados eram sintomáticos e exigiam revisão17.
Numa revisão sistemática realizada por Chan et al, 4% de todos os implantes de silicone exigiram cirurgia de revisão e 2% necessitaram de procedimento de resgate31.
Em 2011, Schindele et al apresentam uma série consecutiva de 612 artroplastias com implante de silicone devido a OA, com follow-up médio de 10 anos, na qual os autores obtiveram uma taxa de revisão de 5,5%. Os principais motivos da revisão foram dor, limitação da amplitude de movimento e deformidade articular (principalmente desvio ulnar)19.
Na literatura, as fraturas de implantes variam de 0 a 55%. Contudo, um implante fraturado não está necessariamente relacionado a dor e incapacidade13,25,29,32,33.
Atendendo às complicações verificadas com os implantes de silicone surgiu a necessidade de desenvolver novos implantes com designs e biomateriais alternativos13,34.
Os implantes de substituição de superfície foram introduzidos recentemente. Apresentam um desenho anatómico aproximado ao da articulação nativa com 2 componentes e com a vantagem teórica de aumentar a estabilidade articular13,27.
No entanto, a maioria destes implantes não representa um conceito real de resurfacing, atendendo a que uma quantidade significativa de osso necessita de ser ressecada e são necessárias hastes longas para providenciar a fixação adequada5.
A primeira artroplastia de substituição de superfície foi desenvolvida por Linscheid e Dobins, em 1997, o componente proximal era constituído por cromio-cobalto e o distal por polietileno de alto peso molecular35. Posteriormente em 1999, Moller et al introduzem implantes de titânio com fixação por osteointegração proximal e distal36.
O implante de pirocarbono, inicialmente introduzido no ano 2000, consiste num dispositivo minimamente restritivo. O implante não é cimentado, sendo a estabilidade da articulação alcançada pela congruidade macho-fêmea da superfície do implante e pela preservação dos ligamentos colaterais - respondendo teoricamente aos requisitos de uma artroplastia IFP ideal22.
Os implantes de pirocarbono têm sido relativamente bem-sucedidos na melhoria da dor de acordo com a literatura. Lamentavelmente a melhoria da amplitude de movimento nestes implantes não tem sido consistente. Alguns estudos demonstraram aumentos na amplitude de movimento com significância variável, enquanto outros não demonstraram mudança ou mesmo diminuição na amplitude de movimento37-40.
Globalmente os implantes de pirocarbono apresentam elevada percentagem de complicações, de até 68%41.
A série de Reissner et al resume os resultados deste implante. Num estudo, com 10 anos de follow-up, de artroplastias com implante de pirocarbono em 12 doentes verificou resultados clínicos razoáveis, com amplitude média de movimento de 40º, alívio da dor significativo, mas associada a elevada percentagem de complicações. Dentro das complicações mais frequentes encontra-se a migração do implante associada à falha de osteointegração, verificada em 66.6% (n=8) dos doentes. Os resultados verificados levaram ao abandono da técnica pelos autores23.
Meier et al num estudo com 20 pacientes sujeitos a 24 artroplastias com implante de pirocarbono, com follow-up médio de 15 meses, apresentaram uma percentagem de satisfação de 80%. Em três pacientes os implantes tiveram que ser removidos, em dois devido a migração e num por infeção. Os autores revelam ainda que verificaram migração do componente proximal em 4 implantes e migração do componente distal em 5. A amplitude média de movimento foi de 50º42.
Outros autores foram concordantes relativamente à falta de osteointegração com migração secundária tanto em componentes de cerâmica como de pirocarbono12.
Tuttle et al apresentaram os resultados de 18 implantes de pirocarbono, em 8 pacientes, com follow-up de 13 meses. De acordo com os autores os implantes de pirocarbono têm o potencial de aliviar a dor, estabilidade, obter uma amplitude de movimento satisfatória e correção da deformidade. No entanto, os resultados que os autores apresentaram foram imprevisíveis22. O arco de movimento médio permaneceu inalterado, 9 (50%) das articulações tiveram um aumento na amplitude de movimento e 9 (50%) das articulações tiveram uma diminuição. As complicações incluíram 8 (44%) articulações ruidosas, 5 (28%) com rigidez articular e 2 (11%) luxações22.
Daecke et al, apresentam um estudo clínico com 43 doentes, com 62 articulações IFP sujeitas a artroplastia e utilizando 3 tipos diferentes de implantes, com follow-up médio de 35 meses. No estudo os autores referem que ocorre uma melhoria pós-operatória temporária na amplitude de movimento e melhoria da dor transversal a todos os pacientes. No entanto, apresentaram percentagens de complicações com necessidade de revisão pós-operatórias de 27% (n=7 de 26) em implantes de titânio e 39% (n=7 dos 18) em implantes de pirocarbono, resultados marcadamente maiores do que com os implantes de silicone 11% (n=2 dos 18)12.
Para além das complicações descritas na literatura, a revisão cirúrgica constitui um desafio atendendo a que a vasta maioria dos implantes requer ressecção óssea substancial e libertação parcial ou total dos ligamentos colaterais no procedimento inaugural34.
Bravo et al, num estudo clínico com total de 50 substituições da articulação IFP em 35 pacientes, com follow-up médio de 27 meses, verificaram que 28% dos pacientes necessitaram de um segundo procedimento e 8% de uma revisão da artroplastia40.
Atendendo ao descrito, as artroplastia de substituição de superfície não constituem uma solução ótima à manutenção da estabilidade articular, realinhamento e equilíbrio dos tecidos moles. No entanto e apesar das complicações descritas continuam a ser utilizadas5,21.
Com objectivo de responder às limitações desses implantes, a prótese modular de metal-polietileno - CapFlex® PIP (KLS Martin Group, Tuttlingen, Alemanha) - foi desenvolvida.
O conceito da artroplastia modular metal-polietileno consiste na substituição de superfície composta por um componente proximal e distal, que permite oferecer ancoragem óssea primária sólida com ressecção óssea limitada e estabilidade articular lateral melhorada - resultado das superfícies articulares do implante serem anatómicas e devido à preservação dos ligamentos colaterais durante a colocação do implante34.
A fixação não cimentada de longo prazo do CapFlex® PIP (KLS Martin Group, Tuttlingen, Alemanha) com a técnica press-fit permite teoricamente que ocorra osteointegração secundária na interface osso-implante34.
Schindele et al em 2015 apresentam a primeira série de casos de artroplastia modular metal-polietileno. Num estudo prospetivo, que avaliou 10 articulações IFP, abordadas dorsalmente, com follow-up de 1 ano. Os autores verificaram uma redução significativa da dor e aumento da mobilidade em todos os implantes. Para além disso, apresentavam osteointegração completa e ausência de sinais de falência ou migração do implante. A amplitude de movimento pré-operatória média foi de 42º; tendo aumentado para 51º no pós-operatório. A estabilidade lateral também melhorou de acordo com os autores. Em dois pacientes foi necessária tenólise, um apresentou uma calcificação dorsal e outro desvio axial do componente por provável mau posicionamento de acordo com os autores34.
Os mesmos autores, em 2017, voltam a apresentar resultados encorajadores. Num estudo prospectivo, relatam os resultados obtidos em 50 pacientes, com 1 ano de follow-up. Os autores verificaram que os ganhos de amplitude de movimento aumentaram de 43,4º antes da cirurgia para 55,9 ° após a cirurgia. Da mesma forma, a dor média durante as AVDs, conforme avaliada pelos pacientes pela visual analog scale (VAS) diminuiu de 6,5 para 2,2. Ainda de acordo com os autores, os implantes permaneceram intactos sem sinais de migração, osteólise ou fraturas do implante. Num caso, foi necessária cirurgia de revisão com artrodese após ruptura traumática secundária do ligamento colateral radial. A tenólise secundária teve que ser realizada em quatro pacientes devido à ossificação ou aderência do tendão com restrição de mobilidade. Todas as complicações foram recuperadas sem danos permanentes43.
As contraindicações para utilização deste implante são: destruição das articulações IFP com perda óssea severa, defeitos ósseos e luxação articular crónica ou presença de infeção43.
Existem na literatura descritos vários estudos comparativos da artroplastia de silicone versus a de pirocarbono, contudo ainda pouco informação relativa existe sobre as novas próteses modulares de metal e polietileno CapFlex PIP (KLS Martin Group, Tuttlingen, Alemanha).
No caso clínico descrito a opção terapêutica foi a de artroplastia modular metal-polietileno CapFlex PIP (KLS Martin Group, Tuttlingen, Alemanha). Em sintonia com os resultados apresentados a doente apresentou alivio sintomático, conseguiu-se também a melhoria do arco de mobilidade e estabilidade articular, com regresso às AVDs e sem limitações. Aos 12 meses de follow-up não apresenta sinais de falência de osteointegração dos componentes.