DISCUSSÃO
Os fenómenos tromboembólicos representam as complicações mais comuns nas cirurgias ortopédicas. São considerados a maior causa de morte nos três primeiros meses após a operação, o que corresponde a mais de 50% da mortalidade pós-operatória5. A maioria dos trombos desenvolve-se possivelmente no sistema venoso profundo dos músculos da perna, ascendendo posteriormente.
Cerca de 80% dos trombos são provenientes do membro operado, podendo até 20% das vezes ter origem no outro membro inferior5. Há escassos relatos na literatura sobre a embolização sintomática para os membros superiores. Neste caso, verifica-se a existência de trombos sintomáticos no braço e perna simultaneamente, e contralaterais à lesão, o que enfatiza a raridade deste caso. Na sua maioria, as colusões da perna são pequenas e clinicamente insignificantes. Da mesma forma, a trombose venosa proximal pode ser não oclusiva e assintomática, sendo que em alguns casos haverá resolução espontânea sem efeitos adversos5. Estima-se que mais de 15% dos doentes com trauma desenvolvam TVP apesar da profilaxia tromboembolica1. A conclusões semelhantes chegou Lieberman et al., que estudou 644 pacientes idosos em reabilitação após cirurgia de fratura da anca e que diagnosticou TVP em 39 doentes por eco-doppler apesar da tromboprofilaxia6. Num estudo de 96 pacientes com fratura intertrocantérica ou do colo do fémur foi realizada venografia aos membros inferiores. O exame foi bilateral, realizado entre o sexto e o décimo dia após a cirurgia (osteossíntese ou hemiartroplastia). A venografia foi positiva em 47,9% mas apenas 9 desses pacientes tinham sintomas e sinais de TVP7. A adiamento destas cirurgias acarreta riscos sinergéticos, o que se verificou neste caso em particular pela não realização da cirurgia de forma urgente. Smith et al, estudou 101 pacientes idosos que foram operados após 24 horas da fratura da anca. Todos os pacientes fizeram profilaxia anticoagulante e todos foram estudados relativamente a sintomas ou sinais de TVP, bem como foram submetidos a ecografia com doppler antes da cirurgia. Apesar da clínica negativa em todos os doentes, a ecografia detetou TVP em 10 doentes; e apesar da ecografia negativa, 2 doentes desenvolveram TEP. A média de dias até à cirurgia em doentes que desenvolveram TVP (5,7 dias) foi diferente dos que não desenvolveram (3,2 dias). A incidência aumentou em 14,5% no atraso da cirurgia de um dia, até 33% quando o atraso foi superior a uma semana (p=0,021). Portanto, há uma correlação direta entre o atraso na cirurgia e a incidência de TEV nestes doentes, que apresentam um risco elevado (2,32 a 3,71 vezes) de desenvolver doença tromboembólica apesar da profilaxia8, situação muitas vezes negligenciada na realidade ortopédica nacional.
Há diferentes fatores predisponentes a TEV que se deve ter em conta, sejam relacionados com os antecedentes pessoais ou com o próprio evento traumático (Figura 3). Para a identificação desses fatores, tem sido cada vez mais enfatizada a utilização do Score de Caprini, onde se procura quantificar o risco, mediante uma pontuação atribuída a cada elemento presente9,10. O risco de TEV é muito elevado na cirurgia ortopédica major, nomeadamente na cirurgia da fratura da anca. Por este motivo, independentemente dos fatores de risco, o doente com fratura da extremidade proximal do fémur está recomendado a efetuar tromboprofilaxia desde que não existam contra-indicações2,10,11.
A estratégia mais simples de prevenção da estase venosa e da TVP é a deambulação precoce. Quando possível, está associada a um retorno precoce à vida quotidiana, menor tempo de internamento, menores complicações e mortalidade5. Em doentes com indicação para realizar profilaxia do TEV que tenham simultaneamente risco de hemorragia deve-se optar por métodos profiláticos mecânicos. As meias elásticas de compressão graduada e a compressão pneumática intermitente nos membros inferiores ou pés comprovaram ser eficazes mesmo em monoterapia, porque aumentam a velocidade do fluxo venoso e reduzem a estase venosa2,11. No entanto, em doentes sem risco hemorrágico deve-se utilizar preferencialmente a profilaxia farmacológica11. Na profilaxia do TEV em cirurgia de fraturas proximais do fémur está recomendada a heparina de baixo peso molecular (HBPM)4,10. Há guidelines que recomendam como alternativas fondaparinux, HNF, varfarina, e AAS, com respetivo menor grau de evidência4,10,11. O fondaparinux não possui efeito sobre as plaquetas razão pela qual é um fármaco útil no pós-operatório10, e preconizado em algumas orientações clínicas como a melhor alternativa à HBPM4,11. A varfarina interage com vários fármacos e alimentos, tem uma janela terapêutica estreita e ação paradoxal pró-trombótica inicial5, não sendo recomendado como tratamento de primeira linha em pacientes hospitalizados2,4 ou em ambulatório, exceção feita se já fizer parte da sua medicação habitual11. O uso de AAS como agente profilático para o TEV é controverso5. Apesar de ser mais eficaz que o placebo na profilaxia do TEV, não é recomendada a sua utilização como método profilático em cirurgias ortopédicas4,10,11. Os antiagregante plaquetários são considerados essenciais na prevenção da trombose arterial mas podem representar um risco acrescido aos procedimentos ortopédicos major. Desta forma, se o risco de hemorragia for demasiado elevado, a terapia antiplaquetária suspensa deve ser reintegrada logo que possível11. O rivaroxabano e o dabigatrano, são considerados novos anticoagulantes orais que tem sido extensamente estudados5. Tem sido reportada eficácia semelhante na prevenção da TEV ou óbito, e efeitos adversos idênticos, nomeadamente a nível hemorrágico e gastrointestinal em doentes submetidos a artroplastias, mas não estão suficientemente estudados ou recomendados em doentes com fratura da anca4.
Neste caso em concreto, usou-se a combinação de meias compressivas com HBPM, sendo esta a estratégia profilática efetiva mais aceite para pacientes com alto risco2. A HBPM pode ser iniciada antes ou depois da cirurgia. Se for iniciada antes, a última dose deve estar distanciada da cirurgia de pelo menos 12h, podendo ser reiniciada 6-12h após a intervenção cirúrgica10,11. No nosso caso a HBPM foi administrada na admissão da doente, tal como está preconizado. Os outros fármacos que não a HBPM só devem ser iniciados depois da cirurgia. O período de profilaxia mínimo é de 10 a 14 dias, e idealmente 28-35 dias após a alta4,10,11, pelo pico de risco mais tardio do que se pensava inicialmente8. Em doentes com IMC > 30Kg/m2, a dose profilática deve ser prescrita numa base individual na dose de 0.5mg/Kg de peso. Em doentes com baixo peso (mulheres <45Kg ou homens <57Kg), a dose de 40 mg deve ser reduzida para 20 mg10. No caso clínico apresentado, e pelos antecedentes de risco da doente, devia ter sido ponderada a dosagem de 60mg ou 40mg, em posologia bidiária, para uma profilaxia mais adequada. Contudo, esta decisão torna-se controversa em relação à dosagem e posologia, em que a literatura é escassa. Um estudo recente com 92 pacientes com fratura do colo do fémur revela fatores clínicos que foram considerados como preditivos para o screening pre-operativo de TVP. Obtiveram uma incidência de TVP de 16,3% (n=15) e concluiram que os doentes com Score de Caprini ≥12 devem ser rastreados com eco-doppler antes da cirurgia. Os pacientes com score de Wells 0-1 tinham risco baixo de desenvolver TVP, podendo a cirurgia ser realizada logo que possível3. A colocação de filtro na veia cava inferior num doente com fratura da anca e diagnóstico de TVP pré-operatório é considerado um método eficaz, e uma alternativa aos doentes em que esteja contra-indicada a terapêutica farmacológica anticoagulante2,3. Não se tem verificado complicações tromboembólicas e pode ser recomendado o seu uso quando há atraso na realização destas cirurgias em doentes com risco de fazer profilaxia farmacológica7.