DISCUSSÃO
A rotura da FP é uma lesão incomum, pouco descrita na literatura, que necessita de tratamento específico, mas que é muitas vezes é subdiagnosticada na pática clínica2-4. Estas lesões podem ocorrer no contexto de trauma e estão associadas a movimentos de flexão plantar repetidos que resultam em lesões de “overuse” com microtraumas da FP, especialmente em atletas cuja atividade implique saltos, impactos ou corrida. Podem ocorrer de forma espontânea como resultado de processos inflamatórios repetidos ou de injeção local com corticoide3. Sellman reportou o caso de 37 pacientes com rutura da FP, todas elas associadas a injeção prévia de corticoides8. Também Leach et al., descreveu o caso de seis roturas da FP, cinco relacionadas com injeção de corticoides9. O atleta por nós apresentado neste caso clínico em nenhum momento da sua carreia foi tratado com injeção de corticoides, estando a sua lesão muito provavelmente relacionada com os repetidos episódios de inflamação da FP e o rápido retorno à atividade física após estas lesões, sem existir um período de repouso durante o tratamento.
A clínica típica de dor plantar súbita e intensa durante prática de atividade física em associação com um exame objetivo que demonstre incapacidade para a marcha, equimose plantar, dor à dorsiflexão e palpação da planta do pé, especialmente ao nível do arco plantar, deve fazer suspeitar de rotura da fáscia plantar. A história deve incluir o conhecimento do índice de massa corporal, as caraterísticas da atividade desportiva, a história pregressa, identificando episódios prévios de dor na FP, patologias associadas (metabólicas, hormonais, reumatismais) e história de infiltração de corticoides4,10.
O diagnóstico diferencial deve excluir a fratura de stress do calcâneo, síndromes de entrapment (ex. ramo calcâneo medial do nervo tibialis posterior e síndrome túnel társico), doença de Baxter, tendinose(ex. tibialis posterior, flexor hallucis longus, flexor hallucis brevis ou peroneus longus), artropatias inflamatórias, entre outras,5,11. O estudo ecográfico é o exame de 1ª linha pela sua acessibilidade, baixo-custo e acuidade diagnóstica permitindo confirmar a presença de patologia da fáscia plantar e excluir outros diagnósticos diferenciais. A fascite plantar traduz-se ecograficamente por espessamento e hipocogenicidade da FP e as roturas por uma perda completa ou parcial da continuidade das fibras da FP7. O gap resultante é muitas vezes preenchido por componente inflamatório e hemorrágico, aspeto que pode dificultar a deteção da área de rotura por ecografia7. A RM é importante para a confirmação do diagnóstico e determinação da gravidade da rotura (parcial ou completa) bem como para uma ponderação facilitada da necessidade de intervenção cirúrgica6,7. A semiologia das roturas da FP na RM consiste em perda do habitual hipo-sinal da fáscia plantar que é substituído por foco de hiper-sinal com intensidade líquida no local da rotura, que pode atingir toda a espessura da fáscia (rotura completa)ou apenas uma parte da espessura (rotura parcial)12,13. Na fascite plantar existe espessamento da FP e hipersinal intra-fascial mas a intensidade do sinal é inferior à do líquido, permitindo assim distinguir as alterações de fascite daquelas atribuíveis a roturas agudas. Este caso, para além da sua raridade, tem a particularidade de a RM ter permitido detetar dois locais e tipos de rotura distintos da FP reforçando o conceito de que muitas roturas agudas ocorrem sobre uma FP já previamente fragilizada.
A documentação de uma rotura da FP através de imagem é essencial uma vez que o seu tratamento difere do da fascite plantar7,12-13. O tratamento da rotura da FP é habitualmente conservador sendo esta decisão decorrente da gravidade da lesão. Este consiste em terapêutica analgésica e antiinflamatória, imobilização do segmento (relativa ou absoluta segundo a gravidade) e pela introdução de agentes físicos e técnicas cinesiológicas. A intervenção cirúrgica fica reservada para casos de rotura mais extensa ou com complicações associadas3,8.
A retoma do exercício físico, varia entre as 3 e as 16 semanas, conforme a gravidade lesional e a natureza das opções terapêuticas. O tempo decorrido entre a lesão e o início do programa terapêutico é também importante6,14.