DISCUSSÃO
A maioria dos doentes referenciados para avaliação de DDA tiveram confirmação imagiológica do diagnóstico.
Nestes doentes, identificámos maior associação com DDA o sexo feminino, a história familiar de DDA e a apresentação pélvica no terceiro trimestre. No protocolo da SPOP não está incluído o sexo feminino, como critério de risco e indicação para rastreio, enquanto a presença de antecedentes familiares e a apresentação pélvica estão.
A presença de outras malformações concomitantes não se correlacionou com a presença de DDA, embora estas características clínicas estejam integradas nos fatores de risco a considerar para rastreio imagiológico.
As deformidades do pé nem sempre estão incluídas nos programas de rastreio. Paton et al. sugerem que doentes com pé boto, não devem ser considerados como tendo fator de risco para DDA10. Pelo contrário, Håberg et al, mostram associação de malformações do pé com DDA, nomeadamente, em casos de pé boto, de calcaneovalgus congénito e também uma associação com a presença de metatarso adductus, embora esta última menos importante11. Relativamente ao torcicolo congénito, na literatura está descrita a sua associação à DDA, com uma incidência de até 20%12. Na nossa amostra, apenas oito doentes apresentaram as malformações acima citadas, o que pode explicar a assimetria face aos resultados da literatura.
A presença de oligohidrâmnios deve ser pesquisada nas ecografias pré-natais e deve ser valorizada a sua presença de forma consecutiva e não isoladamente13. Este fator de risco não está incluído de uma forma consistente nos rastreios dos vários países. No nosso estudo, não se verificou associação com a presença de DDA, mas este dado foi apenas identificado em oito doentes o que pode justificar esta diferença.
Relativamente aos dados do exame objetivo de instabilidade da anca, observámos que a presença dos sinais de Ortolani e Barlow, de limitação à abdução das ancas, e a presença do sinal de Galleazi estavam positivamente associados à presença de DDA. No protocolo de rastreio da SPOP há apenas referência à identificação de sinais de instabilidade da anca, sendo porventura mais útil nomear esses sinais. Os resultados do nosso estudo indicam a sua presença em idades precoces, na janela temporal indicada para rastreio. Além disso, comparativamente aos sinais de Ortolani e Barlow, este sinal é mais facilmente pesquisável por médicos não ortopedistas infantis, de quem provêm a maioria das referenciações. Por esta razão, consideramos que a nomeação dos sinais clínicos de instabilidade da anca poderia ser incluída nas recomendações, de forma a melhorar o rastreio clínico pelos médicos referenciadores. Recomendamos uma atenção redobrada ao sinal de Galleazi, que no nosso estudo revelou uma elevada especificidade.
A prevalência de assimetria das pregas é desconhecida, embora estudos sugiram a sua presença em 20-25% dos doentes com anca normal.
A assimetria das pregas isolada é um critério frequente de referenciação a consulta externa de ortopedia, contudo alguns estudos sugerem que este é um sinal pouco fidedigno de DDA patológica4,14. A assimetria das pregas isolada pode indicar displasia ligeira, mas nem todos estes quadros de displasia tiveram indicação para tratamento15. A assimetria de pregas pode ter várias localizações, incluindo pregas inguinais, glúteas e adutoras. Kang M et al, sugerem que a assimetria de pregas glúteas está mais associada com DDA do que as pregas ao nível da face interna da coxa16. No protocolo português não está explícita a localização da assimetria de pregas a valorizar. Na nossa amostra, a identificação de pregas assimétricas também não mostrou correlação com a presença de DDA, mas não pode ser analisada a localização anatómica das mesmas. Dado que este é um fator frequente de referenciação à consulta, seria interessante a realização de um estudo prospetivo multicêntrico para estudar a associação da assimetria das pregas isolada como fator de risco independente.
Por fim, uma palavra em relação aos “clicks” da anca identificados no exame objetivo. Não há consenso na literatura em relação a este achado ser considerado um fator de risco para DDA. Na Europa, ortopedistas pediátricos não consideram a presença de click na anca como critério de risco, provavelmente pela sua experiência clínica permitir a distinção entre um click e uma anca instável16. Paton et al. sugerem que este achado, de forma isolada, não deve ser considerado critério de risco para DDA17. Por outro lado, Marson et al. advogam a presença de uma percentagem não negligenciável de crianças referenciadas exclusivamente por este achado, com diagnóstico de DDA, mas este estudo não inclui dados sobre o exame objetivo, nomeadamente a presença de sinais de Ortolani e Barlow18.
A abordagem em termos de rastreio nos vários países da Europa tem critérios variáveis, desde um rastreio universal até um rastreio seletivo, como em Portugal, considerando uma combinação de fatores de risco e critérios clínicos de instabilidade3. Não há consenso em relação aos timings adequados para o rastreio, contudo é aconselhado que o rastreio imagiológico seja realizado até às seis semanas, pois a laxidão ligamentar fisiológica pelo estrogénio materno desaparece nessa altura3.
As guidelines britânicas sugerem realização de rastreio apenas na presença de história familiar de DDA e apresentação pélvica durante o terceiro trimestre da gravidez10. É realizado rastreio nos casos de gravidez gemelar apenas no contexto supracitado19.
Em relação às limitações do nosso estudo, o facto de se tratar de um estudo retrospetivo em que os dados utilizados foram recolhidos manualmente através da revisão de processos clínicos de doentes, cujos registos nem sempre estavam completos e que, são seguidos por médicos diferentes, pode ter impacto nos dados apresentados. Além disso, estavam frequentemente omissas dos registos clínicos informações relativas ao grau de DDA e à localização das pregas assimétricas, o que impediu uma avaliação mais detalhada destes aspetos. Estava fora do âmbito do estudo a avaliação específica das primeiras consultas, da adequação da referenciação, do método imagiológico de diagnóstico utilizado e do tratamento instituído.
Os nossos resultados traduzem uma realidade local, muito embora referentes a uma consulta diferenciada e com elevado volume de referenciação. A otimização dos critérios de rastreio poderá ser pertinente para incluir novos dados, como nomear de forma mais clara os sinais de instabilidade da anca, especificar a localização da assimetria das pregas e eliminar alguns critérios que isoladamente se têm mostrado menos importantes. Em relação aos fatores de risco, a literatura não é consensual pelo que são necessários mais estudos para estabelecer a adequação da sua inclusão ou não.