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Volume 29, Fascículo I   Pé Boto Idiopático - Será um Fator de Risco para Displasia de Desenvolvimento da Anca?
Pé Boto Idiopático - Será um Fator de Risco para Displasia de Desenvolvimento da Anca?
Pé Boto Idiopático - Será um Fator de Risco para Displasia de Desenvolvimento da Anca?
  • Artigo Original

Autores: Cláudia Vale; Cristina Alves; Inês Balacó; Pedro Sá Cardoso; Tah Pu Ling; Gabriel Matos
Instituições: Serviço de Ortopedia Pediátrica, Hospital Pediátrico de Coimbra - CHUC, EPE
Revista: Volume 29, Fascículo I, p15 a p25
Tipo de Estudo: Estudo Retrospetivo
Nível de Evidência: Nível IV

Submissão: 2020-07-21
Revisão: 2021-02-25
Aceitação: 2021-02-28
Publicação edição electrónica: 2021-11-22
Publicação impressa: 2021-11-22

INTRODUÇÃO

As deformidades congénitas do pé e a Displasia do Desenvolvimento da Anca (DDA) são patologias frequentes em ortopedia pediátrica. O Pé Boto é a malformação congénita do pé mais frequente, com uma incidência de 1-8:1000 recém-nascidos, enquanto a DDA afeta 1-80:1000 recém-nascidos1.

O Pé Boto predomina no sexo masculino (2:1), sendo bilateral em 30-50% dos casos2. É uma deformidade tridimensional irredutível, caracterizada por cavo, adução do antepé, varo da articulação subtalar e equino. Descrevem-se diferentes tipos de Pé Boto: idiopático (PBi), postural, neurogénico e  sindrómico2. O tratamento deve ser iniciado no 1º mês de vida, pelo método de Ponseti, consistindo em manipulações seriadas do pé, realizando abdução do pé em supinação com contrapressão na parte lateral da cabeça do astrágalo e subsequente aplicação de gesso cruropodálico. O gesso, que se estende até ao terço superior da coxa, realizado com o joelho a 90º, mantém o pé numa posição parcialmente corrigida durante 5 a 7 dias, sendo necessários 5-6 manipulações e gessos. A maioria dos doentes necessita ainda de tenotomia percutânea do tendão de Aquiles e um último gesso por 3 semanas, passando depois a utilizar uma tala de Dennis-Browne até aos 4-5 anos de idade, inicialmente por 23 horas diárias e depois por períodos nunca inferiores a 12 horas3,4

A DDA corresponde a um espectro de patologia que engloba displasia acetabular, instabilidade, subluxação e luxação, sendo mais frequente no sexo  feminino (6:1), com predomínio pela anca esquerda (60%)5. Enquanto o diagnóstico de Pé Boto é clínico, o de DDA exige a conjugação clínica e imagiológica (ecográfica ou radiográfica)6. O tratamento da DDA é tanto mais eficaz quanto mais precocemente for iniciado, com tala de Pavlik como tratamento inicial na maioria dos casos, entre o 1º e o 6º mês de vida. Pode ser necessário um programa de tração, seguido da aplicação de um calção gessado e eventualmente do uso de talas de Dennis-Browne até à correção  completa. Caso a redução da anca não seja adequada ou o tratamento se inicie após os 6 meses, pode ser necessária uma intervenção cirúrgica para redução fechada sob anestesia ou aberta1.

Ambas as patologias são de etiologia multifatorial, com vários fatores de risco identificados. Hipotetizam-se múltiplas etiologias para o PBi: fatores ambientais e genéticos; modelação in útero; lesão primária de músculos, nervos, ossos ou vasos; infeção viral ou fibrose retráctil2,7. A etiologia da DDA inclui fatores genéticos e ambientais; malformações de estruturas anatómicas no período embrionário, que podem estar associadas a hiperelasticidade dos ligamentos capsulares, alongamento do ligamento teres ou eversão do rebordo acetabular hipertrofiado8. Foram identificados como fatores de risco para DDA a posição pélvica, oligohidroâmnio, história familiar, sexo feminino e primeira gestação, ou anomalias da modelação in útero (torcicolo ou metatarso aducto)7.

Existem poucos dados na literatura relativamente à verdadeira incidência de DDA em crianças com PBi, existindo controvérsia quanto à necessidade de realizar o rastreio imagiológico da DDA nestes doentes. Assim, este estudo tem como objetivos determinar a incidência de DDA em crianças com PBi e estabelecer se o PBi é fator de risco para DDA.

MATERIAL E MÉTODOS

Realizou-se um estudo coorte retrospetivo. Os doentes foram selecionados a partir do diagnóstico de PBi da base de dados de um Serviço de Ortopedia  Pediátrica. Foram incluídas todas as crianças nascidas entre 1/Janeiro/2005 e 31/Dezembro/2017, tratadas numa instituição, com um seguimento mínimo de 24 meses. Excluíram-se doentes com Pé Boto posicional, neurogénico ou sindrómico.

A análise dos Processos Clínicos permitiu a colheita de dados demográficos (sexo, data de nascimento e tempo de seguimento), dados relativos ao Pé Boto (lateralidade, tratamento prévio, idade da primeira observação, Score Pirani, tipo de tratamento, número de gessos realizados, realização de  tenotomia e/ou cirurgia, idade de cirurgia, recidiva, idade de recidiva e tempo de utilização de botas), assim como dados relativos ao exame clínico e  imagiológico das ancas (ecografia/ radiografia). De referir que o exame clínico das ancas é realizado pelos Ortopedistas a todos os doentes com Pé Boto, em cada Consulta. Alguns dados foram completados através de entrevista telefónica com os pais.

Desta forma, identificaram-se os doentes com PBi a quem foi diagnosticada DDA, a idade de aparecimento e o grau de displasia, segundo a classificação de Graf (Figura 1)6,7.

Os dados referentes ao número de nados-vivos no período entre 2005-2017 foram solicitados às maternidades da cidade.

O estudo estatístico foi realizado utilizando o SPSS® 24, com nível de significância estatística para valores de p<0,05.

RESULTADOS

Dos nascidos entre 1/Janeiro/2005 e 31/Dezembro/2017, foram tratadas 198 crianças com Pé Boto no Serviço de Ortopedia Pediátrica, tendo sido excluídos 21 doentes, por apresentarem Pé Boto posicional, neurogénico ou sindrómico. Assim, de um total de 177 doentes incluídos neste estudo, a  incidência anual de PBi na área de referenciação local do Hospital variou entre 1,19:1000 e 3,54:1000 nados-vivos (Tabela 1).

Dos 177 casos de PBi, 120 (67,8%) eram do sexo masculino e observou-se Pé Boto bilateral em 53,7% dos casos. A idade da primeira observação  em Consulta teve uma mediana de 16±20 dias e o seguimento médio foi de 67,35 ± 43,86 meses (Tabela 2).

Apesar de não uniformemente usada pelos Ortopedistas do Serviço, muitos doentes apresentavam a descrição dos PBi segundo o Score Pirani, com uma mediana de 5,5±1 (Tabela 2). Este apresentou relação estatisticamente significativa com a necessidade de tenotomia do tendão de Aquiles (p 0,039) e uma correlação positiva fraca com o número de gessos realizados em cada doente (r 0,275; p 0,02) (Tabela 3).

A maioria dos doentes (95,5%) foram tratados pelo Método de Ponseti, tendo realizado uma mediana de 6±2 gessos. Em 44 doentes (24,9%) havia sido realizado tratamento prévio à sua primeira observação na nossa instituição. Foi efetuada tenotomia percutânea do tendão de Aquiles em 87,6% e utilizaram Botas Dennis-Browne durante 40,74±18,72 meses. A taxa de recidiva foi de 26,6%, aos 42,09±28,78 meses de idade. Houve necessidade de cirurgia por recidiva em 20% dos casos, aos 60,6±25,22 meses de idade (Tabela 2). A taxa de recidiva apresentou relação estatisticamente  significativa com a existência de tratamento prévio noutra instituição (p 0,001) e com a necessidade de cirurgia (p 0,001) (Tabela 3).

O exame clínico das ancas é efetuado em todas as consultas de Ortopedia Pediátrica e foi descrito como “Anormal” em 6 dos 177 doentes com PBI,  tendo sido realizado rastreio ecográfico em todas estas crianças (Tabela 4).

Desde 2011, o Serviço adotou o Protocolo de Rastreio de DDA da Sociedade Portuguesa de Ortopedia Pediátrica que advoga rastreio ecográfico em todas as crianças com sinais de instabilidade das ancas ou com critérios de risco estabelecidos para DDA, ou rastreio radiográfico após os 4 meses de  idade (Figura 2).

Da população estudada, 17 (9,6%) apresentavam critérios para rastreio imagiológico segundo o protocolo supracitado, tendo sido realizado  ecograficamente em 12 destes. Os 5 doentes com critérios de rastreio que não foram submetidos a qualquer tipo de exame imagiológico apresentavam  Metatarso Aducto, mas nenhum foi diagnosticado com DDA (Tabela 4).

Adicionalmente, 14 doentes com exame clínico normal foram submetidos a ecografia das ancas, por decisão do Ortopedista, hipoteticamente relacionada  com a presença de fatores de risco para DDA que não foram possíveis apurar pelos registos clínicos. Destes apenas um foi diagnosticado com DDA Graf 2A bilateralmente, evoluindo para a normalidade sem necessidade de tratamento. Ainda foram realizadas radiografias da bacia em 13 doentes, com exame clínico normal e sem critérios de rastreio, por decisão do Ortopedista, mas nenhum destes  doentes apresentou sinais radiográficos de DDA. Assim, 22% dos doentes incluídos foram alvo de rastreio imagiológico, quer por meio de ecografia ou radiografia da bacia, consoante a idade da suspeita.

O rastreio imagiológico apresentou relação estatisticamente significativa com o exame clínico anormal e com os critérios de rastreio de DDA  instaurados (p<0,001 e p 0,004 respetivamente), permitindo assim detetar os casos de DDA na população em estudo (Tabela 5).

Foram diagnosticadas 6 crianças com DDA, 5 do sexo feminino, com uma mediana de idade de 2,5±4 meses (Tabela 4). Destas, 4 apresentavam ancas Graf  2A (2 bilaterais e 2 unilaterais), tendo sido verificada evolução para a normalidade, sem necessidade de tratamento. Em dois doentes foi detetada DDA clinicamente significativa, uma criança com DDA bilateral (Graf 2B e 2C - caso A) e outra com DDA unilateral esquerda (Graf 2C - caso B), tendo sido tratadas com Tala de Pavlik (Figura 3).

O caso A refere-se a uma criança do sexo feminino com PBi unilateral diagnosticado aos 10 dias de vida, tendo realizado 7 gessos pelo Método de  Ponseti, tenotomia percutânea do tendão de Aquiles e utilizado botas de Dennis-Browne por 6 meses. Foi diagnosticada com DDA aos 3 meses na sequência de ecografia realizada por limitação da abdução das ancas, apresentando ancas com displasia Graf 2B e 2C, e aos 4 meses realizou uma radiografia da bacia (Figura 4).

O caso B refere-se a uma criança do sexo feminino com PBi bilateral diagnosticada aos 33 dias de vida, tendo realizado 7 gessos pelo Método de Ponseti, tenotomia percutânea do tendão de Aquiles e utilizado botas de Dennis-Browne por 24 meses. Foi diagnosticada com DDA aos 6 meses na sequência de uma radiografia da bacia por limitação da abdução das ancas, tendo também realizado estudo ecográfico, apresentando a anca esquerda displasia Graf 2C (Figura 5).

Ambas foram submetidas a tratamento com tala de Pavlik com evolução favorável, clínica e radiográfica. Tiveram a última consulta de seguimento aos 6 e 4 anos respetivamente, apresentando-se com marcha equilibrada sem claudicação, sem limitações das  atividades de vida diária ou atividades desportivas. Radiograficamente apresentavam ancas centradas, núcleos epifisários simétricos e sem sinais de necrose avascular ou displasia residual (Figura 6).

O diagnóstico de DDA apresentou relação estatisticamente significativa com o sexo feminino (p 0,014), com alterações no exame objetivo da anca  (p0,019) e com os critérios de rastreio imagiológico (p 0,049) (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Nos últimos anos, a incidência de PBi na área de referenciação local do nosso Hospital tem variado entre 1,19 e 3,54:1.000 nados-vivos, replicando  assim a experiência de outras instituições1. Verifica-se um predomínio de crianças do sexo masculino numa relação de 2:1, sendo a frequência de  bilateralidade (54%) ligeiramente superior ao que é habitualmente descrito1,3,4,9,10.

A idade da primeira observação (mediana 16±20dias) encontra-se dentro do recomendado para início de tratamento do PBi, preferencialmente nos  primeiros 30 dias.

A maior parte dos doentes estudados apresenta atualmente idades acima dos 4 anos, com um tempo de seguimento médio entre 2-9 anos, pelo que todos os doentes progrediram para além da idade da marcha, o que permite aos autores concluírem que não ocorreu qualquer diagnóstico tardio de DDA.

O tratamento do PBi foi adequado, uma vez que foram aplicados 6±2 gessos seriados segundo o Método de Ponseti1,3,4,9,10. O tempo de utilização de  botas de Dennis-Browne foi em média 3,5 anos, o que está de acordo com as recomendações feitas por muitos autores, mas é inferior aos 4-5 anos mais recentemente preconizados10. A deformidade do PBi recidivou em 26,6% dos pés tratados, com necessidade cirúrgica adicional, não articular, em 20% dos pés, o que está de acordo com a experiência reportada por diversos autores3,9,10.

O Score Pirani correlacionou-se com o número de gessos e com a necessidade de tenotomia nos doentes com PBi. A recidiva do PBi teve relação com a existência de tratamento prévio e com a necessidade de cirurgia.

Nos doentes estudados, a incidência de DDA foi de 3,4%, encontrando-se dentro do descrito para a população em geral (0,1-8%)1. Concluímos assim que, na nossa população, o PBi não constitui assim um fator de risco para DDA, com incidências sobreponíveis à restante população.

Relativamente aos 6 casos de DDA descritos, há que realçar que nenhum foi detetado tardiamente. Além disso, apenas 2 doentes tiveram necessidade de tratamento com tala de Pavlik, tendo evoluído satisfatoriamente. Os restantes 4 casos  diagnosticados apresentaram ancas imaturas, que evoluíram para a normalidade.

Apesar do PBi e da DDA serem patologias frequentes em ortopedia pediátrica, existem poucos casos relatados de doentes que apresentem simultaneamente as duas doenças e nenhum estudo conseguiu calcular a verdadeira incidência de ambas as condições em simultâneo, ou a existência de uma relação causa-efeito.

Alguns estudos revelaram que a incidência de DDA em doentes com PBi pode variar entre 0,57%11-15,69%12 (Tabela 6). Do descrito na literatura, apenas 5 estudos sugeriram uma possível relação entre PBi e DDA6,8,12-14. Com a taxa mais elevada, Carney et al12 reportam 8 casos de DDA diagnosticados em  radiografias da bacia aos 4 meses de idade, em 51 doentes com PBi, sugerindo uma associação entre o PBi e DDA. Canavese et al8 identificaram 2  doentes que desenvolveram DDA em 26 com PBi, sugerindo mesmo uma relação possível de causa-efeito entre o tratamento do PBi pelo Método de  Ponseti e o desenvolvimento de DDA, reforçando que o seu estudo foi o primeiro realizado com o tratamento segundo Ponseti instaurado e uma vez que ambos os doentes realizaram ecografia às 6 semanas que não apresentava alterações. Contudo, a casuísticas apresentadas por estes autores são relativamente pequenas e carecem de explicações fisiopatológicas para essa hipótese. Já Perry et al6 indicaram uma incidência de DDA em doentes com PBi de 7:119, 45 vezes superior à da população em geral. Estes autores hipotetizaram que os doentes com PBi e DDA podem ter uma síndrome não diagnosticada, tornando os resultados da associação das duas patologias discutíveis. Com uma amostra maior, Zhao et al14 revelaram uma incidência de DDA de 2,72% em 184 doentes com PBi, recomendado o rastreio ecográfico a todos os doentes com PBi. Neste estudo, a taxa encontra-se dentro da incidência descrita na literatura para DDA diagnosticada ecograficamente, que pode variar até valores tão elevados como 80:10001. Por fim, Pollet et al13 identificaram o PBi como fator de risco para DDA, apesar de não reportarem uma verdadeira taxa de incidência de DDA nesta população, uma vez que estudaram os doentes com DDA e tentaram identificar quais os possíveis fatores de risco associados, identificando 42 casos de PBi em 1469 doentes com DDA (Tabela 6).

Por outro lado, há inúmeros estudos que não suportam esta associação, mesmo identificando taxas de incidência de DDA tão elevadas como as reportadas por Paton et al15 de 13,67% que diagnosticaram ecograficamente 19 casos de DDA em 139 doentes com PBi, mas apenas 1 apresentava DDA considerada patológica (Graf III), refutando assim a hipótese de associação entre ambas as patologias (Tabela 6).

Dos estudos mais antigos, Chung et al16 estudaram 801 doentes com Pé boto, mas excluindo os associados a condições do SNC apresentaram uma população de 736 PBi, onde foram encontrados 12 casos de DDA. Já Lochmiller et al17 estudaram 285 doentes com PBi, mas apenas apresentaram registos relativos às ancas em 212, onde diagnosticaram apenas 5 casos de DDA, não suportando a relação. Também Westberry et al7 refutaram a necessidade de rastreio imagiológico de DDA em doentes com PBi após estudarem 349 doentes, onde 127 fizeram  rastreio ecográfico, e apenas identificando 1 caso de DDA (Tabela 6).

Numa das maiores séries, que incluía 677 crianças nascidas com PBi e 2037 controlos, Mahan et al18 concluíram que não é necessário o rastreio  imagiológico por rotina em recém-nascidos com PBi e que estes exames devem ser realizados quando existe alguma suspeita após a avaliação clínica,  uma vez que apenas identificaram 5 casos de DDA que necessitaram de tratamento na população em estudo. Chou et al19 chegaram à mesma conclusão,  após terem estudado a prevalência da DDA numa população de 101 crianças, onde trataram apenas uma com DDA (0,99%) e identificaram outras 16  que evoluíram para a normalidade sem necessidade de tratamento. Mais recentemente, Toufaily et al20 e Ibrahim et al21 também não consideram que o PBi seja um fator de risco para DDA, reportando incidência de DDA de 1,41% e 4,1% respetivamente (Tabela 6).

O presente estudo tem algumas limitações. O facto de ser retrospetivo, impediu a obtenção de dados relativamente à gravidade dos PBi tratados em  muitos doentes, até porque vários Ortopedistas estiveram envolvidos no tratamento destes doentes e não foi adotada, uniformemente uma classificação  para a deformidade. Assim, não foi possível estudar se a incidência de DDA era maior nas crianças com PBi de maior gravidade. A ausência de um grupo de controlo, uma vez que, como não foi realizado rastreio ecográfico a todos os doentes, não conseguimos apurar se há mais casos de DDA  que evoluíram para a normalidade espontaneamente e que não tenham sido detetados. Por outro lado, houve dificuldade em identificar nos registos clínicos  quais as anomalias observadas no exame clínico e/ou fatores de risco de DDA que levaram à realização de ecografia ou radiografia para excluir a presença de DDA. Por fim, a incidência de PBi pode estar sobrestimada, uma vez que nesta instituição não são apenas tratados os doentes da área de abrangência, mas por vezes são enviados de outras zonas do país.

CONCLUSÃO

Os doentes com PBi apresentam uma baixa incidência de DDA (3,4%), sobreponível à encontrada na população em geral. Os resultados obtidos não suportam uma associação entre Pé Boto idiopático e DDA, sugerindo que este não constitui um fator de risco para a DDA.

Este estudo permite ainda concluir que os citérios de rastreio implementados e o exame clínico das ancas, realizado por Ortopedistas com experiência na patologia ortopédica pediátrica, é suficiente para o rastreio da DDA em crianças com Pé Boto idiopático, devendo utilizar-se os exames imagiológicos em casos selecionados, quando exista suspeita clínica.

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