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Volume 29, Fascículo I   Luxação dorsal da articulação interfalangeana distal crônica instável. Apresentação de caso clínico.
Luxação dorsal da articulação interfalangeana distal crônica instável. Apresentação de caso clínico.
Luxação dorsal da articulação interfalangeana distal crônica instável. Apresentação de caso clínico.
  • Caso Clínico

Autores: Marcelo de Pinho Teixeira Alves; João Pedro Gouveia Nóbrega
Instituições: Serviço de Ortopedia do Hospital Dr. José Maria Grande, Portalegre
Revista: Volume 29, Fascículo I, p32 a p39
Tipo de Estudo: Estudo Terapêutico
Nível de Evidência: Nível V

Submissão: 2019-01-06
Revisão: 2020-10-30
Aceitação: 2020-12-01
Publicação edição electrónica: 2021-11-22
Publicação impressa: 2021-11-22

INTRODUÇÃO

A articulação interfalangeana distal (AIFD) é uma articulação estável, com fortes ligamentos colaterais em cada lado. A região dorsal é estabilizada pelo tendão extensor e a região palmar pela inserção do tendão flexor profundo. O tendão extensor insere-se na região proeminente dorsal da base da falange distal e é aderente à cápsula articular; o tendão flexor profundo insere-se em toda a superfície palmar da falange distal e é aderente à placa volar; esta é muito flexível, permitindo hiperextensão da AIFD e a realização da pinça polpa-polpa1,2.

A luxação da AIFD é uma lesão incomum. Numa revisão de literatura de Abouzahr e colaboradores foram encontrados apenas 12 casos entre 1940  e 19973,4. Isto também foi observado por Chen e colaboradores5, em trabalho publicado em 2017.

Quando se sujeita a AIFD à uma força de compressão axial e hiperextensão, pode ocorrer lesão das estruturas estabilizadoras, com rotura ou desinserção  da placa volar e consequentemente luxação3,6,7.

O reconhecimento tardio desta lesão pode condicionar a redução fechada e implicar na fixação com fio de Kirschner nos casos instáveis ou mesmo  a exploração cirúrgica nos casos irredutíveis, geralmente caracterizados por interposição de tecidos moles6,7.

Os autores apresentam um caso de luxação dorsal crônica instável da AIFD, tratada por redução incruenta e fixação percutânea.

CASO CLÍNICO

Paciente do sexo feminino, 48 anos, avaliada no serviço de urgência, relatando traumatismo direto no quinto dedo da mão direita ocorrido 15 dias antes. Evoluiu com dor e deformidade no dedo, associados à incapacidade funcional. Acedeu ao hospital devido à persistência da dor.

Na avaliação inicial, apresentava deformidade evidente no quinto dedo. Encaminhada para o serviço de imagiologia, realizou estudo radiográfico  (Figura 1), evidenciando luxação interfalangeana distal dorsal.

Procedeu-se à anestesia troncular do nervo digital do 5º dedo, com lidocaína a 2%, para alívio da dor e para possibilitar a manipulação digital, para redução incruenta. Foram realizadas manobras de redução incruenta, com imobilização provisória com tala de alumínio, dorsal e volar. Apesar do alinhamento satisfatório inicial, ocorria desvio dorsal da falange distal, constatado pelas imagens radiológicas após cada redução (Figura 2).

Devido à instabilidade, optou-se pelo tratamento cirúrgico. Após nova redução incruenta, ainda sob efeito da anestesia troncular, procedeu-se à fixação percutânea dorso-volar transarticular com um fio de Kirschner de 1 mm, sob radioscopia (Figura 3).

A paciente foi seguida em consulta durante 12 semanas, realizando controlos radiológicos, às duas (Figura 4), quatro e seis semanas. Às seis semanas,  removeu-se o fio de Kirschner, com novo controlo radiológico, demonstrando manutenção da redução articular (Figura 5). Ao exame físico, constatou-se estabilidade da AIFD e mobilidade ativa indolor. Arco de movimento com extensão completa e flexão interfalangeana distal de 45°. Às 12 semanas (Figura 6), a paciente encontrava-se assintomática.

DISCUSSÃO

As luxações isoladas da AIFD são lesões incomuns, devido à sua estabilidade articular intrínseca provida pelos ligamentos colaterais e placa volar, que impedem a hiperextensão e o estresse lateral, além do curto braço de alavanca sobre a AIFD. Além da estabilidade intrínseca, a AIFD tem estabilidade extrínseca produzida pelo equilíbrio entre os tendões flexor profundo e extensor.

Num estudo realizado por Chen e colaboradores, de 1317 pacientes avaliados num período entre 2008 e 2013, apenas 30 casos (2,3%) eram de luxação da AIFD5.

Geralmente ocorrem em acidentes desportivos, sendo principalmente luxações dorsais; luxações volares são mais comuns em traumatismos por esmagamento ou por mecanismo rotacional, sendo geralmente expostas5.

A paciente relatou traumatismo direto, não relacionado à prática desportiva, ocasionando luxação dorsal da AIFD. Apesar de redutível,  apresentava-se muito instável. Isto pode ser explicado pelo fato de, na AIFD, a placa volar ser confluente com a porção terminal do tendão flexor  profundo, inserindo-se na falange distal e não dispor anatomicamente de ligamentos-estanque próprios para inserção na falange média, predispondo à sua avulsão desta falange e à instabilidade5,6,7.

A luxação da AIFD pode ser irredutível quando ocorrer interposição da placa volar ou do tendão flexor profundo, ou quando os côndilos da falange  média se insinuarem pelo tendão flexor6,7,8. No caso da paciente, por ser uma lesão redutível, excluímos estas possibilidades.

Após a redução, testa-se a estabilidade, aplicando-se estresse sobre a placa volar e ligamentos colaterais5. Na paciente, apesar da instabilidade anteroposterior, não havia sinais clínicos sugestivos de lesão dos ligamentos colaterais nem de irredutibilidade. Assim, optou-se pelo tratamento incruento, não havendo indicação de exploração cirúrgica da articulação6,7.

A estabilização cirúrgica da luxação dorsal da AIFD pode ser feita de diversas maneiras, sendo uma das opções a fixação transarticular por um fio de Kirschner inserido pela extremidade da falange distal6,7. Kobayashi, em 20149, modificou o método de Suzuki10 para as fraturas-luxações  interfalangeanas proximais, aplicando uma tração ajustável para permitir a mobilização ativa da articulação. Xiong e colaboradores11 e Tonogai e  colaboradores12 modificaram a técnica de Ishiguro13, geralmente aplicada para o dedo em martelo, utilizando um fio de Kirschner para bloqueio da  extensão, mantendo a redução da AIFD e permitindo flexão ativa, recomendando esta técnica para casos agudos de fratura-luxação AIFD dorsal.

Em se tratando de uma lesão crónica redutível e instável, optamos pelo tratamento com fixação interfalangeana distal por um fio de Kirschner  dorso-volar, transarticular, mantendo a articulação em extensão. Uma redução aceitável e estável, sem interferir com a matriz e o leito ungueais. Consideramos este procedimento tecnicamente mais simples e favorável do que a inserção de um fio de Kirschner pela extremidade distal da falange distal.

Na avaliação final, a paciente encontrava-se sem queixas e com arco de movimento funcional aceitável, com flexão indolor e sem instabilidade  recorrente ou subluxação articular.

Consideramos importante o diagnóstico e tratamento destas lesões o mais precoce possível, tentando-se a redução incruenta sob anestesia troncular  primariamente. No caso de redução instável, considerar lesão dos ligamentos colaterais e/ou placa volar; em luxações irredutíveis, considerar  interposição de partes moles.

Concluímos ser o tratamento cirúrgico da luxação da AIFD crônica instável cirúrgico e que a fixação dorso-volar transarticular com um fio de Kirschner é tecnicamente simples e com bom resultado funcional pós-operatório.

Referências Bibliográficas

1. de Jong A, Haddad B, Wood M. Irreducible dorsal epiphyseal fracture dislocation of the distal phalanx: a case report. Hand. 2013; 8: 235-238

2. Carruthers KH, Skie M, Jain M. Jam injuries of the finger: diagnosis and management of injuries to the interphalangeal joints across multiple sports and levels of experience. Sports Health. 2016; 8 (5): 469-478

3. Banerji S, Bullocks J, Cole P, Hollier L. Irreducible distal interphalangeal joint dislocation: a case report and literature review. Ann Plast Surg. 2007; 58: 683-685

4. Abouzahr KM, Poblete VJ. Irreducible dorsal dislocation of the distal interphalangeal joint: case report and literature review. J Trauma. 1997; 42: 743-745

5. Chen SH, Chan SY, Tien HY. Differences between dorsal and volar dislocations of the distal interphalangeal joint of fingers: a report of 30 cases. J Hand Surg (Eur). 2017; 42 (2): 197-198

6. Chung S, Sood A, Lee E. Principles of management in isolated dorsal distal interphalangeal joint dislocations. Eplasty. 2014; 14: 33

7. Itadera E, Muramatsu Y, Hiwatari R, Moriya H. Chronic recurrent dislocation of the distal interphalangeal joint of the finger: case report. J Hand Surg. 2009; 34: 1091-1093

8. Sankaran A, Bharathi RR, Sabapathy SR. Complex dorsal dislocation of the distal interphalangeal joint: perspectives on management. Indian J Plast Surg. 2016; 49 (3): 403-405

9. Kobayashi K, Fukasawa K. An adjustable Kirchner wire frame traction method for the treatment of dorsal fracture-dislocation of the distal interphalangeal joint. Hand Surg. 2014; 19 (3): 455-457

10. Suzuki Y, Matsunaga T, Sato S. The pins and rubbers traction system for treatment of comminuted intra-articular fractures and fracture-dislocations in the hand. J Hand Surg (Br). 1994; 19: 98-107

11. Xiong G, Zheng W, Wang S. Extension block pinning for the treatment of a dorsal fracture dislocation of the distal interphalangeal joint: case report. J Hand Surg (Am). 2008; 33 (6): 869-872

12. Tonogai I, Hamada Y, Henmi T. Traction and fixation of four neglected fracture-subluxations of the distal interphalangeal joint. J Hand Surg (Eur). 2012; 37 (4): 369-371

13. Ishiguro T. A new method of closed reduction for mallet fractures. Cent Jpn J Orthop Trauma Surg. 1988; 31: 2049-2051

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