• English
  • English
Volume 29, Fascículo II   Leiomiossarcoma no Tornozelo: Um relato de Caso de um Diagnóstico Raro
Leiomiossarcoma no Tornozelo: Um relato de Caso de um Diagnóstico Raro
Leiomiossarcoma no Tornozelo: Um relato de Caso de um Diagnóstico Raro
  • Caso Clínico

Autores: Eduardo Moreira Pinto; Horácio Silva; Marta Gomes; Manuel Santos Carvalho; João Teixeira; António Miranda
Instituições: Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga
Revista: Volume 29, Fascículo II, p138 a p144
Tipo de Estudo: Caso Clínico
Nível de Evidência: Nível V

Submissão: 2020-03-09
Revisão: 2020-10-18
Aceitação: 2021-01-31
Publicação edição electrónica: 2022-04-01
Publicação impressa: 2022-04-01

INTRODUÇÃO

O LMS é um tumor do tecido conjuntivo do músculo liso e é responsável por 5% dos sarcomas de tecidos moles (STM). O prognóstico varia,  com taxas desobrevida a 5 anos de 65%1. Engel et al.1 relataram que apenas 21 casos de LMS no pé e tornozelo foram publicados na literatura desde 1936, sendo 15 deles no pé. Alguns eram lesões metastáticas e não tumores primários. Por outro lado, a maioria destes estudos agruparam lesões nas extremidades superiores e inferiores. STM têm uma ampla gama de diferenciação, incluindo adipócitos (lipossarcoma), tecidos nervosos periféricos (tumor maligno da bainha do nervo periférico), músculo liso (leiomiossarcoma) ou estriado (rabdomiossarcoma), tecidos vasculares (angiossarcoma) e outras origens  (comosarcoma pleomórfico indiferenciado)2. Acredita-se que as células musculares lisas dos vasos intraósseos ou células mesenquimais com capacidade de diferenciação em células musculares lisas sejam responsáveis pelo começo do processo carcinogênico do LMS3. É um tumor altamente imprevisível, podendo permanecer latente por longos períodos ou reaparecer em fases avançadas da vida4. Apresenta uma incidência semelhante entre gêneros, sendo mais frequentemente diagnosticado entre a quinta e sexta décadas. As localizações mais comuns incluem o retroperitoneu, útero e trato gastrointestinal5. Este artigo explora um caso clínico de um tumor raro de dimensões consideráveis, de localização atípica, cujo tratamento não foi associado a quimioterapia ou radioterapia, com excelentes resultados. É importante a descrição destes eventos únicos de forma a permitir uma melhor compreensão do comportamento destas lesões tumorais em localizações peculiares.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 64 anos, avaliado em consulta do departamento de pé e tornozelo por edema na região maleolar interna do tornozelo  esquerdo com dois anos de evolução, associado a queixas álgicas locais, sem deficits motores ou alterações neurovasculares (Figura 1). Foi realizada  ressonância magnética que revelou a presença de uma lesão nodular de tecidos moles de 4x4x2,6 cm nos planos superficiais da região peri-maleolar interna, suprajacente ao retináculo dos tendões flexores, independente do feixe neurovascular, com características aparentemente benignas, sendo considerada como um provável miolipoma (Figura 2).

Como foi inicialmente interpretada como uma lesão benigna, após avaliação clínica e imagiológica e discussão aprofundada em reunião multidisciplinar,  optou-se pela realização de uma biópsia excisional da lesão que confirmou a presença de uma lesão tumoral nodular, subcutânea, bem delimitada, capsulada, com envolvimento cutâneo focal e sólida, de consistência dura, com margens livres com 5cm x 3,5cm nos diâmetros principais (Figura 3). Na verdade, Efstathopoulos et al. relata a excisão de um tumor de menores dimensões numa localização semelhante, também sem biópsia prévia, dada a aparência aparentemente benigna deste. Este caso relatado será mais um com importância para partilhar e alertar para a possibilidade de exérese sem biópsia prévia e avaliação das margens adequadas neste tipo de lesões. No entanto, quando o diagnóstico não é conhecido, é importante a realização de uma biópsia para a confirmação do diagnóstico antes de proceder à sua ressecção. Microscopicamente (Figuras 4, 5 e 6), o tumor revelou um padrão de crescimento fascicular, com feixes de células fusiformes intersectadas em ângulos retos, intimamente relacionados aos vasos sanguíneos. As células apresentavam citoplasma eosinofílico, fibrilar e núcleo atípico, algumas delas de espeto bizarro. Áreas raras de necrose coagulativa estavam presentes (menos de 50%, FNCLCC: Pontuação 1). Foram observadas figuras mitóticas típicas e atípicas, sendo nenhum colagénio cruzado visto, 8/10 H.F.P (FNCLCC: Pontuação 1). Os tecidos adjacentes não foram infiltrados pelo tumor. As margens da secção cirúrgica estavam isentas de tumor.

A avaliação imunoistoquímica mostrou expressão difusa e forte de α-actina de músculo liso, desmina e H-caldesmon, sem expressão para qualquer tipo  de citoqueratina (AE1 / AE3, EMA, citoqueratinas 5 e 7), CD117, CD34, proteína S100 ou Melan UMA. Os aspectos morfológicos e imuno-histoquímicos corresponderam a um leiomiossarcoma subcutâneo bem diferenciado. (Grau histológico: G2, FNCLCC:  Pontuação 2).

Um estudo mais aprofundado com TC toraco-abdomino-pélvico e cintilografia óssea descartaram a presença de metastização óssea ou remoção incompleta do tumor.

O acompanhamento e o tratamento foram realizados em conjunto com um centro de referência em oncologia musculoesquelética. Foi decidido não realizar quimioterapia ou radioterapia adjuvante.

Após 2 anos de seguimento, o paciente apresenta-se assintomático, com um score FADI de 100% e livre de doença nos últimos controlos com RM, TC  e cintilografia óssea.

DISCUSSÃO

O LMS é um tumor raro, principalmente no pé e tornozelo, com poucos casos relatados na literatura4. Está incluído no espectro dos sarcomas de partes moles, sendo referido como tumor maligno de músculo liso que geralmente ocorre no retroperitoneu e cavidade abdominal6. A incidência  de LMS de partes moles nos membros e tronco varia entre 2,3% e 10% de todos os sarcomas de partes moles na população adulta.

Com o advento de novas ferramentas diagnósticas, várias variantes morfológicas do LMS foram descritas. Estes incluem leiomiossarcoma epitelioide, pleomórfico, inflamatório, mixóide, leiomiossarcoma com células gigantes osteoclásticas proeminentes e leiomiossarcoma com alteração de células granulares7.

Uma vez estabelecido o diagnóstico, o melhor tratamento definitivo é a remoção cirúrgica nos estadios iniciais. As complicações cirúrgicas  geralmente incluem infeção, complicações associadas à ferida operatória, contaminação ao longo dos planos fasciais e lesão neurológica ou vascular8. Uma alternativa à ressecção ampla é a amputação, especialmente quando uma grande área de margens livres do tumor não pode ser obtida9. Porém, observam-se altas taxas de recorrência quando o tratamento é menos agressivo. A radioterapia ou quimioterapia podem ser utilizadas como terapia adjuvante antes ou após a cirurgia, mas estudos mostram que não existe vantagem em termos de morbimortalidade com estes tratamentos10. A quimioterapia adjuvante geralmente não é usada para tratar sarcomas de partes moles com menos de 5 cm ou confinados a uma localização superficial  devido ao baixo risco metastático. Relativamente ao caso descrito, visto tratar-se de uma lesão superficial, inferior a 5 cm, bem delimitada, dolorosa, com crescimento progressivo e de características imagiológicas aparentemente benignas, optou-se pela realização de uma biópsia excisional em  bloco e com margem livre. A idade, a localização superficial, características da lesão e a presença de margens livres são fatores de bom prognóstico. Por outro lado, o estadiamento inicial do paciente e o contacto próximo e seguimento prolongado por um Centro de Referência em patologia tumoral musculoesquelética são essenciais neste tipo de lesões. Atualmente, não há um consenso sobre o tratamento do LMS, o que se deve à sua raridade  e consequente escassez de publicações sobre este tema.

Referências Bibliográficas

1. Engel E, Butler M, Anain J. Leiomyosarcoma of the Foot. Journal of the American Podiatric Medical Association. 2007; 97 (6): 475-479

2. Hung GY, Yen CC, Horng JL, Liu CY, Chen WM, Chen TH, et al. Incidences of primary soft tissue sarcoma diagnosed on extremities and trunk wall: a population-based study in Taiwan. Medicine (Baltimore). 2015 Oct; 94 (41): 1696

3. Gunzy TR, Quintavalle PR, Tursi FJ. Leiomyosarcoma: a rare pedal finding. J Foot Surg. 1992 Jan; 31 (1): 88-92

4. Delsmann BM, Pfahler M, Nerlich A, Refior HJ. Primary leiomyosarcoma affecting the ankle joint. Foot Ankle. 1996; 17: 420-423

5. Ferrari A, Sultan I, Huang TT. Soft tissue sarcoma across the age spectrum: a population-based study from the Surveillance Epidemiology and End Results database. Pediatr Blood Cancer. 2011 Dec; 57 (6): 943-949

6. Yamamoto T, Minami R, Ohbayashi C, Inaba M. Epithelioid leiomyosarcoma of the external deep soft tissue. Arch Pathol Lab Med. 2002; 126: 468-470

7. Ladenstein R, Treuner J, Koscielniak E. Synovial sarcoma of childhood and adolescence. Report of the German CWS-81 study. Cancer. 1993; 71 (11): 3647-3655

8. Engel E, Butler M, Anain J. Leiomyosarcoma of the Foot. Journal of the American Podiatric Medical Association. 2007; 97 (6): 475-479

9. Fletcher C, Dal Cin P, De Wever I. Correlation between Clinicopathological Features and Karyotype in Spindle Cell Sarcomas A Report of 130 Cases from the CHAMP Study Group. Am J Pathol. 1999; 154 (6): 1841-1847

10. Antonescu CR, Erlandson RA, Huvos AG. Primary leiomyosarcoma of bone: a clinicopathologic, immunohistochemical, and ultrastructural study of 33 patients and a literature review. Am J Surg Pathol. 1997; 21 (11): 1281-1294

   TOPO    Topo