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Volume 29, Fascículo II   Osteogênese Imperfeita. Relato de Caso e Revisão da Literatura
Osteogênese Imperfeita. Relato de Caso e Revisão da Literatura
Osteogênese Imperfeita. Relato de Caso e Revisão da Literatura
  • Caso Clínico

Autores: Rayanne A. Peinado; Sarah G. de Souza
Instituições: Universidade de São Francisco, Brasil
Revista: Volume 29, Fascículo II, p145 a p153
Tipo de Estudo: Estudo Prognóstico
Nível de Evidência: Nível V

Submissão: 2020-03-12
Revisão: 2020-10-17
Aceitação: 2021-02-26
Publicação edição electrónica: 2022-04-01
Publicação impressa: 2022-04-01

INTRODUÇÃO

A osteogênese imperfeita é uma doença genética com manifestações heterogêneas, caracterizada principalmente pela fragilidade óssea devido a defeitos na estrutura ou quantidade do colágeno tipo 11. A incidência estimada de OI nos Estados Unidos é de 1 caso para cada 20.000 a 25.000 nascidos  vivos, no Brasil esta informação é desconhecida. Em relação aos dados epidemiológicos sobre prevalência em determinado sexo ou raça, também não há dados suficientes na literatura2. O diagnóstico  da doença pode ser feito intra-útero através da ultrassonografia de primeiro e terceiro trimestre, e logo após o nascimento passa a ser predominante  clínico, sendo complementado com exames de imagem e laboratoriais3. Em relação ao tratamento, este deve ser multidisciplinar e precoce, com o uso da terapia medicamentosa com Pamidronato Dissódico em pacientes menores de 18 anos, com intuito de diminuir o risco de fraturas4.

DESCRIÇÃO DO CASO

M.V.S.C., 1 ano e 3 meses, sexo feminino, nascida com 40 semanas de gestação. Progenitora com 29 anos, sem histórico familiar de OI, primigesta,  realizou 13 consultas pré-natais no Ambulatório de Alto Risco do HUSF devido a Diabetes Mellitus Gestacional e à hipótese diagnóstica de feto com OI.

Ultrassonografia obstétrica do 1° trimestre não apresentou alterações. Já no USG Obstétrico Morfológico cuja idade gestacional era de 20  semanas, observou-se encurtamento dos fêmures bilateralmente (fêmur direito= 17mm, fêmur esquerdo= 20mm) e membros superiores sem anormalidades, tendo como hipótese diagnóstica Fêmur Curto Congênito. Posteriormente, foi feito USG Obstétrico compatível com 30 semanas e 4 dias, com displasia de ossos longos (Fêmur=4,45cm compatível com 24 semanas; Ulna= 4,47cm compatível com 28 semanas), e suspeita de fratura de fêmur direito (Figura 1). Apesar das alterações de membros longos nos USG anteriores, a hipótese de OI surgiu apenas após o USG Obstétrico de 3º trimestre.

Nascida de parto cesárea, apresentação pélvica, peso 2370g, perímetro cefálico 34,5cm, Apgar 7/8. Ao exame físico observou-se regular estado geral, corada, hidratada, anictérica, cianótica 2+/4+, ativa, reativa, fontanelas normotensas. Exames cardiopulmonar e abdominal sem alterações. O exame osteomioarticular apresentava hipotonia muscular, encurtamento de membros inferiores com geno varo (Figura 2), sem crepitações em clavículas e costelas. Escleras sem alterações.

Exames radiológicos evidenciaram rarefação óssea, inclusive em calota craniana (Figura 3), e fratura de fêmur direito (Figura 4), sendo indicada a colocação de gesso pélvico podálico para imobilização e analgesia. O caso foi encaminhado para serviço de referência onde a paciente foi classificada como portadora de OI tipo III ela Classificação de Sillence.

Exames laboratoriais (aos 10 meses de idade): cálcio sérico= 10,5 mg/dL; cálcio iônico= 1,32 mg/dL; fósforo= 5,9 mg/dL; vitamina D= 87,2 ng/ml;  FALC= 254 U/L; PTH=8 pg/ml; Hb=11,3 g/dL; Ht= 35%; plaquetas= 685.000/mm³; TGO=32 U/L; TGP=13 U/L; creatinina= 0,2 mg/dL; ureia= 31 mg/dL.

No primeiro mês de vida, foi confirmada a fratura de rádio, ulna e fêmur esquerdos, e úmero direito, a partir de consolidações ósseas vistas na radiografia. No primeiro ano de vida a paciente teve fratura de úmero direito (Figura 5) e esquerdo, e microfraturas em fêmur direito e esquerdo vistas a partir de consolidações ósseas na radiografia. Paciente está em acompanhamento com Otorrinolaringologista devido a alteração nos exames de Emissão  Otoacústica (EOA) e no Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico (PEATE), os quais evidenciaram leve perda auditiva em orelha esquerda.

Devido a falta da disponibilidade da medicação pelo Sistema Único de Saúde o início do tratamento com Pamidronato Dissodico foi postergado, enquanto  não foi feita a medicação a paciente apresentou diversas fraturas no primeiro ano de vida.

Com 1 ano de idade recebeu a primeira dose de Pamidronato Dissódico (1º dia:0,25mg/kg, 2º e 3º dias: 0,5mg/kg/dia), apresentou febre, coriza e necessidade de inalação com oxigênio no 3º dia da primeira dose. O intervalo entre as doses é de 2 meses. Além disso, faz uso de colecalciferol 4 gotas/dia e carbonato de cálcio 500mg/dia.

Após início da medicação a paciente não apresentou mais fraturas até o presente momento, o que corrobora com dados da literatura com relação do  tratamento medicamentoso e o aparecimento de fraturas.

Além do tratamento medicamentoso, a paciente também faz acompanhamento multidisciplinar com profissionais da Pediatria, Ortopedia,  Otorrinolaringologia, Endocrinologia e Fisioterapia.

DISCUSSÃO

A osteogênese imperfeita é uma síndrome hereditária do tecido conjuntivo. Sua etiologia decorre de mutações no Loci COL1A1 e COL1A2, codificadores das cadeias alfa do colágeno tipo 1, proteína presente em 90% do corpo humano e sintetizada pelos osteoblastos, resultando em alterações quantitativas e qualitativas na estrutura e na função desse heteropolímero presente nos ligamentos, esclera e ossos. Essa doença genética pode ser ligada ao X, autossômica recessiva ou dominante, sendo a última a mais comum1. A OI apresenta-se em quatro tipos distintos de acordo com a classificação de Sillence (Tabela 1), sendo a tipo II a única letal no período perinatal5. Nesta doença, há fraturas aos mínimos traumas e deformidades ósseas. A gravidade dos achados é bastante variável, desde formas letais de fraturas intrauterinas até fraturas que só ocorrerão na adolescência e na vida adulta. As principais manifestações clínicas da OI são: deformidades esqueléticas, escleras azuladas, dentinogênese imperfeita e surdez6.

O diagnóstico geralmente é feito após o nascimento, mas pode ser feito precocemente através da ultrassonografia morfológica do primeiro e terceiro trimestre. O diagnóstico ultrassonográfico da OI pode ser confirmado através da biópsia da vilosidade coriônica com cultura de células mostrando produção anormal de colágeno tipo I, ou realizando amniocentese/biópsia de vilosidade coriônica para obter DNA fetal para análise molecular dos genes envolvidos na OI3. Após o nascimento o diagnóstico é predominantemente clínico através da história familiar e exame físico, baseando-se nos principais sinais e aspectos clínicos já citados anteriormente. Exames de imagem e laboratoriais também são usados para confirmar sua hipótese diagnóstica ou excluir outras causas de fragilidade óssea7. Existe também a possibilidade de fazer teste genético, pois seu resultado pode ter implicações no manejo da doença. Como por exemplo, a mutação de um dos novos genes relacionados à OI, o IFITM5, que indica maior risco de desenvolver calo hiperplásico, anormalidades cranianas e luxação da cabeça do rádio8.

Dentre os diagnósticos diferenciais encontram-se a Osteoporose Idiopática Juvenil, Síndrome de Marfan, Raquitismo e maus tratos2. Embora ainda não exista cura, deve-se associar tratamento multidisciplinar como fisioterapeuta, terapia ocupacional, odontologista, fonoaudióloga, cirurgião pediátrico, junto à terapia medicamentosa, com Pamidronato Dissódico para pacientes menores de 18 (Tabela 2). O Pamidronato dissódico, medicação do grupo dos Bisfosfonados, é um inibidor de reabsorção óssea mediada por osteoclastos, consequentemente diminui a perda óssea, evita fraturas, e diminui a dor. Juntas, essas medidas corroboram para uma melhor qualidade de vida do paciente9.

O Pamidronato Dissódico deve ser administrado em infusões intravenosas em ciclos de 3 dias, devendo ser repetido a cada 2-4 messes, dependendo da faixa etária como mostrado na Tabela 3.

Foram descritas algumas reações adversas durante o primeiro ciclo de administração do medicamento, como aumento transitório da dor óssea, síndrome influenza-like, uveite, hipocalcemia, e diminuição transitória da mineralização óssea. Para diminuir esses efeitos é indicado reduzir pela metade a dose no primeiro ciclo.

O tratamento medicamentoso poderá ser interrompido após o paciente apresentar 2 anos sem fraturas e o seguimento deve ser realizado anualmente através no monitoramento clinico4.

CONCLUSÃO

O presente relato de caso é um exemplo clássico de como o tratamento medicamentoso beneficia o prognóstico do paciente, com uma importante ressalva para esse início precoce. Contudo deve-se atentar para o atraso do início da terapia devido a não disponibilidade da medicação pelo Sistema Publico  de Saúde em um primeiro momento, postergando o inicio do tratamento medicamentoso e levando a piora do quadro clínico, com aparecimento de diversas fraturas no período de espera pela medicação.

Referências Bibliográficas

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2. Guia Prático de Atualização: Osteoporose em crianças e adolescentes[homepage on the Internet]. Sociedade Brasileira de Pediatria; 2018; [cited 2018 Apr 15]. Available from: http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/20222c-GPA_-_Osteoporose_em_Crian_e_Adoles.pdf .

3. Van Dijk FS, Cobben JM, Kariminejad A, Maugeri A, Nikkels PG, Van Rijn RR, et al. Osteogenesis imperfecta: a review with clinical examples. Molecular syndromology. 2011; 2 (1): 1-20

4. Ministério da Saúde- Secretaria de Atenção à Saúde.[homepage on the Internet]. Portaria no 1306 de 22 de novembro de 2013; 2018; [cited 2018 Apr 14]. Available from: http://portalarquivos2.saude.gov.br/ images/pdf/2014/abril/03/pcdt-osteogeneseimperfeita-livro-2013.pdf .

5. Valadares Eugênia R, Carneiro Túlio B, Santos Paula M, Oliveira Ana Cristina, Zabel Bernhard. What is new in genetics and osteogenesis imperfecta classification?. J Pediatr (Rio J). 2014; 90 (6): 536-541

6. Franzone JM, Shah SA, Wallace MJ, Kruse RW. Osteogenesis Imperfecta: A Pediatric Orthopedic Perspective. Orthopedic Clinics. 2019; 50 (2): 193-209

7. Forlino Antonella, Marini Joan C. Osteogenesis imperfecta. The Lancet. 2016; 387 (10028): 1657-1671

8. Tauer JT, Robinson ME, Rauch F. Osteogenesis Imperfecta: New Perspectives From Clinical and Translational Research. JBMR Plus. 2019 Fev; 3 (8): 10174

9. Pinheiro Bruna, Zambrano Marina B, Vanz Ana Paula, Brizola Evelise, de Souza Liliane Todeschini, Félix Têmis Maria. Cyclic pamidronate treatment for osteogenesis imperfecta: Report from a Brazilian reference center. Genet Mol Biol. 2019; 42 (1 Suppl 1): 252-260

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