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Volume 29, Fascículo III   Via Ilioinguinal versus Via de Stoppa Modificada no Tratamento de Fraturas Acetabulares
Via Ilioinguinal versus Via de Stoppa Modificada no Tratamento de Fraturas Acetabulares
Via Ilioinguinal versus Via de Stoppa Modificada no Tratamento de Fraturas Acetabulares
  • Artigo de Revisão

Autores: João Boavida; João Pedro Marques; Paulo Costa; António Figueiredo; Diogo Moura
Instituições: Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
Revista: Volume 29, Fascículo III, p181 a p195
Tipo de Estudo: Estudo Terapêutico
Nível de Evidência: Nível V

Submissão: 2020-03-31
Revisão: 2021-03-31
Aceitação: 2021-09-20
Publicação edição electrónica: 2022-04-29
Publicação impressa: 2022-04-29

INTRODUÇÃO

As fraturas acetabulares podem envolver uma ou mais colunas, as duas paredes ou o teto acetabular, continuando-se ou não para a pélvis e surgem  com uma distribuição bimodal, associando-se a mecanismos de alta energia em indivíduos jovens e com um segundo pico de incidência em indivíduos idosos com menor energia implicada. O seu tratamento cirúrgico é amplamente reconhecido como complexo, sendo a abordagem e manuseamento destas fraturas das mais difíceis em cirurgia ortopédica. Perante uma complexa anatomia cirúrgica e uma relação estabelecida entre redução anatómica da fratura e restituição da congruência  articular e resultados clínicos e radiológicos, a escolha adequada da abordagem cirúrgica torna-se decisiva e permite diminuir a taxa de complicações1.

A escolha da abordagem cirúrgica adequada deve ser baseada em: análise detalhada do tipo de fratura, permitindo um ângulo de visualização suficiente, uma redução anatómica e um perfeito controlo da área de fratura, mas também das vantagens e desvantagens de cada uma das abordagens  conhecidas, bem como, no estado geral e local de saúde do doente2,3.

Para uma adequada exposição dos componentes anteriores do acetábulo e anel pélvico duas abordagens têm sido amplamente utilizadas: a abordagem ilioinguinal e a abordagem de Stoppa Modificada. A primeira, introduzida em 1965 por Letournel4 permite, através de 3 janelas distintas, o acesso completo à cavidade pélvica desde o aspeto anterior da articulação sacroilíaca até à sínfise púbica, incluindo indiretamente a superfície  quadrilátera5. Consequência de uma modificação feita por Cole e Bolhofner a uma abordagem descrita por Stoppa para o a reparação de hérnias  inguinais6,7, a abordagem anterior intra-pélvica ou de Stoppa modificada foi ganhando popularidade, sobretudo na Europa, pela sua menor invasibilidade associada a certas vantagens especificas em termos de redução e fixação. Nos últimos anos, com o aumento significativo de fraturas da coluna anterior com luxação da lâmina quadrilátera e impacção do teto acetabular sobretudo em indivíduos com mais de 65 anos, a abordagem pararectus foi desenvolvida como acesso alternativo direto à articulação e merece igualmente referência dada a potencialidade de combinar vantagens das referidas abordagens8.

Perante a falta de trabalhos e, consequentemente, de consenso acerca de qual a melhor abordagem anterior para fraturas acetabulares, com este trabalho  os autores pretendem, através de uma revisão narrativa da literatura científica, numa primeira fase, fazer uma descrição técnica das vias anteriores intra e extrapélvicas e técnicas de redução associadas, exemplificando com casos clínicos tratados no nosso centro e, numa segunda fase, destacar as vantagens e desvantagens da via de Stoppa modificada e da via ilioinguinal no tratamento de fraturas acetabulares com foco essencialmente na qualidade de redução obtida, resultados funcionais, taxa de complicações, tempo cirúrgico e perdas hemáticas intra-operatórias.

VISÃO GLOBAL DE CADA UMA DAS ABORDAGENS E A NOSSA EXPERIÊNCIA

VIA ILIOINGUINAL

A abordagem anterior ilioinguinal foi descrita em 1961 por Letournel como a abordagem de escolha para a exposição, redução e fixação de fraturas com  envolvimento da coluna anterior do acetábulo e face interior do osso ilíaco, implicando a abertura do canal inguinal e mobilização dos vasos ilíacos externos para a criação de 3 janelas de trabalho, através das quais o cirurgião, posicionado do lado da lesão, consegue trabalhar dentro e abaixo da pélvis9,10.

A Tabela 1 resume as referências anatómicas, incisão, planos/aspetos técnicos da via, estruturas expostas e em risco e cuidados de encerramento e  pós operatório da via ilioinguinal.

Na Tabela 2 apresentam-se os tipos de fraturas acetabulares passíveis ou não de correção cirúrgica por via ilioinguinal ou via de Stoppa modificada.

Nesta ou em qualquer outra abordagem para o tratamento de fraturas acetabulares é importante um adequado planeamento pré-operatório com  uma avaliação adequada das condições gerais do doente, uma análise cuidada dos exames de imagem e características da fratura, sendo indispensável, na opinião dos autores, as imagens de tomografia computarizada e as reconstruções tridimensionais da bacia, de forma a entender os vetores de energia e de desvio envolvidos com intuito de adequadamente planear a sequência de redução e fixação.

A estratégia redução e fixação vai sempre depender do preciso padrão de fratura e da própria experiência do cirurgião, contudo parece possível estabelecer uma sequência geral de redução da coluna anterior ao osso ilíaco intacto, seguida pela redução da coluna posterior. Quando a fratura se estende para a fossa iliaca ou crista ilíaca, é a janela lateral a via de acesso para este tipo de lesões (coluna anterior alta, coluna  anterior alta com hemitransversa posterior e maioria das fraturas de ambas as colunas). A fixação destes componentes implica geralmente rotação interna  da crista ilíaca, com aplicação de forças de direção inferior, normalmente através de um clampe aplicado na incisura interespinhosa e um picador aplicado profundamente na fossa iliaca. Uma vez reduzida a fratura, é feita a estabilização provisória e a fixação definitiva, normalmente com um longo parafuso em compressão da crista ilíaca ou ilíaco ântero-inferior em direção à incisura ciática reforçado com uma placa de reconstrução ao longo da tábua interior da asa ilíaca. Reduzida a fossa ilíaca, observa-se comummente uma redução simultânea da coluna anterior dado que o traço de fratura se estende muitas vezes em direção ao ramo superior, podendo esta redução ser efetuada através da janela média da via ilioinguinal com um picador com força de vetor inferior. Como a cabeça femoral muitas vezes se encontra medializada, a tração lateral aplicada ao fémur pode auxiliar esta manobra de redução. A fixação com parafusos em compressão pode ser feita desde logo se a coluna posterior não requer redução. Quando tal não se verifica e é necessária redução da coluna posterior, tal pode ser conseguido através da janela lateral ou média da via ilioinguinal, através  da utilização de um clampe de redução colinear, com o gancho a ser aplicado na grande ou pequena incisura ciática e a compressão a ser exercida ao  nível da eminência pectínea ou asa do ilíaco. Uma alternativa é a utilização de um clampe de redução de angulação pélvica. A fixação definitiva da coluna posterior é normalmente conseguida através de parafusos de compressão desde a fossa ilíaca em direção à espinha isquiática ou desde a eminência pectínea paralela à lâmina quadrilátera. Muitas vezes, observa-se, contudo, uma impacção medial da superfície quadrilátera ou do teto acetabular, cuja redução pode ser bastante difícil através da via ilioinguinal. A fixação definitiva final é na maioria das vezes garantida com uma placa longa desde a fossa ilíaca ou articulação sacro-ilíaca estendendo-se através do púbis ao longo da face superior da cavidade pélvica. Quando necessário, esta fixação pode ser complementada por parafusos ou placas para a asa iliaca e por parafusos compressivos ântero-posteriores através ou não da placa9,10 (Figura 1).

VIAS ANTERIORES INTRA-PÉLVICAS:

Via de Stoppa Modificada

A abordagem anterior intra-pélvica também conhecida como abordagem de Stoppa modificada foi introduzida por Cole and Bolhofner em 1994, resultado de adaptações a uma abordagem descrita por Stoppa em 1989 para a reparação de hérnias inguinais com rede de Dacron. Surgiu assim como uma alternativa para a redução aberta e osteossíntese de fraturas anteriores do acetábulo, sendo que a grande diferença desta via para a ilioinguinal do ponto de vista técnico é a omissão da janela média, evitando a dissecção do canal inguinal, nervo femoral e vasos ilíacos externos, podendo ser considerada  uma alternativa menos invasiva para cirurgia de reconstrução articular a nível da anca7,11-13.

A Tabela 2 resume os tipos de fraturas acetabulares passíveis ou não de correção cirúrgica pela via de Stoppa modificada.

É fundamental uma análise completa dos exames de imagem, determinando o tipo de fratura e avaliando o desvio principal, sobretudo medial, bem como um envolvimento da lâmina quadrilátera ou impacção da zona de carga, não esquecendo o envolvimento com desvio da asa ilíaca ou da coluna anterior baixa14,15. Tem como objetivo não só planear as diferentes etapas de redução e métodos de estabilização definitiva, mas também definir se a abordagem de  Stoppa modificada pura é suficiente ou se, perante fraturas da coluna anterior altas ou fraturas com envolvimento da coluna posterior, se pode tornar  necessário uma extensão da abordagem para a primeira janela da via ilioinguinal ou a combinação com uma via posterior10,13,16. Nesta abordagem o cirurgião posiciona-se do lado contralateral e intensificador de imagem fica do lado da lesão.

A Tabela 1 resume as referências anatómicas, incisão, planos/aspetos técnicos da via, estruturas expostas e em risco, cuidados de encerramento e pós operatório da via de Stoppa modificada. Convém acrescentar que pelo tipo de fratura, em cerca de 55 a 93% dos doentes é necessária a criação da  janela ilíaca1,11,14,17,18. Em certas fraturas da parede anterior ou fraturas muito baixas da coluna anterior, a abordagem de Stoppa modificada pode igualmente ser prolongada para a abordagem de Smith-Petersen modificada19,20.

Quanto à redução e fixação de fraturas acetabulares através desta abordagem, a coluna anterior é na maioria das vezes reduzida através de um clampe  de redução pélvico angulado com um dente ao longo da eminência iliopectínea e o outro na lâmina quadrilátera ou pequena incisura ciática de forma a  serem aplicadas forças com direção supero-inferior e medial-lateral. Para a redução da coluna posterior podem ser utilizadas duas técnicas: pressão com direção supero-lateral com um picador ou através de um clampe de redução colinear com um dente aplicado no rebordo pélvico e outro na pequena ou  grande incisura ou lâmina quadrilatera, seguindo-se fixação com parafusos. Como referido previamente, a redução de fraturas com envolvimento da lâmina quadrilátera ou impacção do teto acetabular é difícil por via ilioinguinal por reduzida exposição da sua janela intermédia. É precisamente nestas fraturas que a abordagem anterior intrapélvica tem a sua principal vantagem, na medida em que permite uma melhor exposição da lâmina quadrilátera. Assim a redução da superfície quadrilátera medializada parece ser mais fácil com um picador a exercer uma força com direção medial-lateral ou, alternativamente, através de uma placa infrapectinea utilizada como ferramenta de redução indireta. Por outro lado, a  impacção do tecto acetabular pode ser reduzida com o uso de osteótomos e elevadores colocados acima e atrás da zona de impacção e utilizando a cabeça  femoral como molde, evitando a distração excessiva. A fixação definitiva por esta abordagem é conseguida com placas de reconstrução não bloqueadas pré-moldadas e de baixo perfil com parafusos corticais 3,5mm em posição suprapectínea, podendo ser adicionada ou não uma placa batente infrapectínea se necessário, sendo fundamental excluir com  intensificador de imagem a presença de parafusos intra-articulares (Figura 2).

*Via Pararectus

Já descrita nesta década como uma alternativa intrapélvica e menos invasiva para a exposição, redução e osteossíntese de fraturas acetabulares com  desvio e com envolvimento predominantemente da coluna anterior e lâmina quadrilátera e ainda com poucos trabalhos a avaliar os seus resultados, esta  abordagem não é ainda utilizada em larga escala por muitos centros dedicados ao tratamento deste tipo lesões21.

As referências anatómicas são: umbigo, espinha ilíaca ântero-superior (EIAS) e sínfise púbica. A incisão é efetuada ao nível do bordo lateral do reto abdominal, seguindo-se dissecção da sua bainha e acesso ao espaço retroperitoneal (Figura 3). Desta forma consegue-se a exposição do ramo iliopúbico e da eminência iliopectínea, seguindo-se a identificação e laqueação da corona mortis e  identificação do feixe vasculonervoso obturador. Com retração dos vasos ilíacos externos a disseção subperióstica de direção posterior permite a exposição da lâmina quadrilátera e coluna posterior,  garantindo a hemostase de vasos iliolombares acessórios. Ao longo desta fase é possível criar 5 janelas de trabalho: a primeira limitada pela crista  ilíaca e músculo iliopsoas; a segunda entre o mesmo e vasos ilíacos externos; a terceira entre estes e o cordão espermático / ligamento redondo; a quarta medial a estes e a quinta tem os mesmos limites da terceira mas abaixo do limite medial da pélvis. As técnicas de redução e fixação são em tudo semelhantes às já descritas e tal como nas abordagens prévias, a imagem intra-operatória é sempre um apoio fundamental para avaliar algum desvio residual apesar de uma visão direta otimizada. As indicações e contraindicações são em tudo muito semelhantes às já descritas para a via ilioinguinal e via de Stoppa modificada, sendo contudo de ressalvar a eventual necessidade de uma mini-incisão adicional sobre a crista ilíaca ou extensão da primeira janela perante fraturas da coluna anterior muito altas21,22.

VANTAGENS E DESVANTAGENS: VIA ILIONGUINAL VS VIA DE STOPPA MODIFICADA

Qualidade de redução

São apenas três os trabalhos encontrados onde foi feita uma comparação e avaliação da qualidade de redução de acordo com os critérios de Matta23. O  número de doentes onde se obteve uma redução anatómica foi significativamente maior nos doentes operados por via de Stoppa modificada1,17,24.

De facto, numa avaliação retrospetiva de Shazar et al a 225 doentes operados a fraturas acetabulares, 122 por via ilioinguinal entre 1996 e 2004 e 103 por via de Stoppa modificada entre 2004 e 2011, foi possível observar-se uma redução anatómica (desvio menor que 1mm) em 68,4% dos doentes operados por via ilioinguinal e em 82,5% dos operados por via de Stoppa modificada. Observou-se também uma redução imperfeita (desvio residual entre 2 e 3mm) em 29,5% e uma redução pobre (devio maior que 3mm) em 1,6% dos doentes operados por via ilioinguinal, enquanto que pela via anterior  endopélvica a redução imperfeita esteve presente em 14,6% dos doentes e uma redução pobre em 2,9%1. Também Hammad et al numa comparação retrospetiva de 33 doentes operados a fraturas acetabulares por via ilioinguinal com 21 doentes operados por via de Stoppa modificada constatou que a redução anatómica foi mais frequente no grupo de doentes operados por via de Stoppa modificada, contudo, neste caso, a diferença do desvio médio entre os dois grupos não foi significativa. Por outro lado, nos casos de redução não anatómica, a congruência articular em comparação com o lado contralateral foi restaurada em 66,7% e 81,8% dos casos da via ilioinguinal e anterior endopélvica, respetivamente24.

Estes dados parecem reforçar a ideia de que a abordagem de Stoppa modificada permite mais facilmente reduções anatómicas e fixações biomecanicamente estáveis de fragmentos do teto acetabular impactado, componentes da coluna posterior ou da lâmina quadrilátera, o que favorece uma mobilização e reabilitação precoces, sendo de particular interesse em fraturas de ambas as colunas.

A via de Stoppa modificada pode ser igualmente vantajosa nas fraturas bilaterais que podem ser abordadas por uma incisão única5.

Resultados funcionais

Segundo diferentes trabalhos a avaliar os resultados funcionais por diversos scores funcionais da anca ou taxa de satisfação dos doentes, não parecem  existir diferenças significativas entras as duas vias de abordagem2,17,24,25.

Num estudo caso-controlo retrospetivo de doentes operados a fraturas acetabulares em três centros feito por Elmadag et al, dezanove doentes operados  por via ilioinguinal com um período médio de seguimento de 32,4 meses e dezassete por via de Stoppa modificada com um período médio de seguimento de 29,7 meses foram convocados no final do período de seguimento e foi feita uma avaliação funcional com uma medição das amplitudes de movimento articular da anca e aplicação do Harris Hip score e Merle D’Aubigné score. No grupo de doentes operado por via ilioinguinal o Harris Hip score foi excelente em onze doentes, bom em 6 e moderado em dois doentes, enquanto nos operados por via de Stoppa modificada se observou um resultado excelente em dez doentes, bom em seis e moderado em 1 doente. A diferença média em ambos os scores funcionais entre os dois grupos não foi significativa. No que diz respeito à medição da amplitude articular no final do seguimento destes doentes, e tendo em conta que apenas foram incluídos no estudo doentes sem défices prévios de mobilidade da anca, a diferença média na extensão e flexão da anca não foi significativa entre os dois grupos, observando-se uma flexão média da anca de 106.83º ± 12,47º e uma extensão média de 10.33º ± 6.12º nos doentes operados por via ilioinguinal e uma flexão média da anca operada de 103.71º ± 14.32º e uma extensão média de 10.69º ± 8.17º nos doentes operados por via anterior endopélvica2.

Taxa de complicações

A taxa de complicações parece ser significativamente maior em doentes na qual foi utilizada a via ilioinguinal em comparação com doentes operados  por via de Stoppa modificada. De facto em cerca de 10% dos doentes operados por via ilioinguinal observaram-se complicações como hérnias inguinais,  tromboses venosas, lesões neurovasculares, lesões vesicais e infeção. Em grande parte associa-se este facto à manipulação das estruturas neurovasculares e necessidade de abertura do canal inguinal, bem como ao acesso limitado ao aspeto medial da coluna posterior e lâmina quadrilátera durante a criação da janela média ou segunda janela da abordagem ilioinguinal, o que parece igualmente aumentar o tempo cirúrgico. Apesar de tudo a incidência de ossificação heterotópica permanece baixa. Do ponto de visto cosmético a via de Stoppa modificada parece ser igualmente benéfica quando comparada com a via ilioinguinal1,2,5,10,17,24.

A Tabela 3, resume as diferentes complicações referidas em 3 estudos apresentados.

Tempo cirúrgico

Em muito relacionado com o referido previamente, o tempo cirúrgico é significativamente maior com a via ilioinguinal. Exemplo disso, é um estudo  aleatório e controlado feito por Ma et al, onde o tempo médio de cirurgia nos 21 doentes operados por via de Stoppa modificada foi de 183 minutos,  enquanto que em 33 doentes operados por via ilioinguinal foi em média de 256 minutos17. Quer neste, quer nos restantes estudos analisados a via de  Stoppa modificada foi utilizada por cirurgiões com experiência na via ilioinguinal o que parece justificar a ausência de uma curva de aprendizagem para via anterior intrapélvica e ao mesmo tempo, sendo uma via menos invasiva e sem necessidade de abertura do canal inguinal reforçar o menor tempo cirúrgico da mesma1,17,24,25.

Perdas hemáticas

As perdas hemáticas e consequentemente a necessidade de hemotransfusões pós operatórias parecem ser maiores com a via ilioinguinal em comparação com a via de Stoppa modificada25. Contrariando isto, por exemplo, no estudo de Elmadag et al as perdas hemáticas médias com a via ilioinguinal foram de 1170 ml e de 1110ml com a via de Stoppa modificada2.

VANTAGENS E DESVANTAGENS: *VIA PARARECTUS

Os resultados de alguns trabalhos a avaliar esta abordagem permitem concluir que uma grande vantagem desta via é a possibilidade de redução dos  fragmentos de fratura com visualização direta contra a direção de desvio dos mesmos, parecendo aumentar o potencial de redução anatómica, a possibilidade de remoção de corpos livres intra-articulares e a estabilidade biomecânica da osteossíntese. Assim em comparação com a via ilioinguinal, para além de parecer permitir mais frequentemente reduções anatómicas em virtude de uma visualização direta mais ampla, a via pararectus parece ter a vantagem de reduzir o risco de hérnias inguinais, poder ser utilizada em doentes previamente submetidos a cirurgia de correção das mesmas e apresentar  menores complicações nervosas (por tração). Por outro lado em comparação com a via de Stoppa modificada esta abordagem demonstrou em estudos em cadáver permitir uma aumento da exposição óssea em cerca de 10% e permitir a aplicação de parafusos de maiores comprimentos dirigidos à  coluna posterior. Para além disso tem uma menor necessidade de criação de janelas acessórias. Em sentido contrário uma potencial desvantagem desta  via de abordagem é o maior risco de lesão peritoneal e a maior dificuldade da sua utilização em doentes obesos, com distensão abdominal ou obstrução  vesical8,21,22,26,27.

CONCLUSÃO

Na opinião dos autores, aparentemente corroborada pela literatura, a abordagem de Stoppa modificada ou anterior intrapélvica parece ser a abordagem  de eleição para o tratamento cirúrgico de fraturas acetabulares com envolvimento predominantemente anterior.

Em comparação com a via ilioinguinal, que continua a ser vista como a via anterior de eleição, esta abordagem parece permitir uma maior capacidade  de redução anatómica, com menor tempo cirúrgico, taxa de complicações e perdas hemáticas associadas.

Pela necessidade intra-operatória de conversão ou, mais comummente, pela necessidade da adição da janela lateral à via de Stoppa modificada é  fundamental um conhecimento e domínio da via ilioinguinal por parte de cirurgiões ortopédicos dedicados ao tratamento de fraturas acetabulares ou  do anel pélvico.

Na opinião dos autores, a menor taxa de complicações e menor agessividade associados à via de Stoppa modificada em associação com um  menor tempo cirúrgico reforçam a sua importância no tratamento de fraturas do anel pélvico e fraturas acetabulares em doentes politraumatizados. Para além disso, perantes fraturas acetabulares cujo padrão implique uma dupla abordagem anterior e posterior, o menor tempo cirúrgico da via de Stoppa modificada aumenta a possibilidade de se conseguir no mesmo tempo cirúrgico a realização de ambas as abordagens e tratamento completo do doente num  só tempo, com todas as vantagens implícitas.

A via pararectus, embora mais recente, parece ser uma excelente alternativa para a obtenção de uma redução anatómica e fixação estável deste tipo de  fraturas acetabulares. Mantendo as vantagens de menor invasibilidade e menores complicações associadas da via de Stoppa em comparação com  a via ilioinguinal, os primeiros dados sugerem igualmente uma maior capacidade de exposição, melhor potencial de fixação da coluna posterior após redução indireta e menor necessidade de criação de janelas acessórias desta via em comparação com a modificação da via de Stoppa. Os autores relembram, contudo, a alta exigência de disseção anatómica da mesma.

De facto, a escolha da via de abordagem é uma decisão que deve ser tomada com base em múltiplos fatores relacionados com o tipo de doente, mecanismo  de lesão e consequente tipo de fratura, sendo fundamental um adequado estudo imagiológico pré-operatório e um completo planeamento da cirurgia,  devendo qualquer ortopedista dedicado a este tipo de patologia dominar as diferentes abordagens acetabulares, quer anteriores, quer posteriores.

São necessários mais estudos, idealmente multicêntricos, de alta qualidade e larga escala, para com maior certeza comparar e avaliar as diferentes  vias anteriores para fraturas acetabulares.

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