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Volume 29, Fascículo III   Prótese total da anca bilateral em simultâneo por abordagem anterior direta. Desfazendo mitos
Prótese total da anca bilateral em simultâneo por abordagem anterior direta. Desfazendo mitos
Prótese total da anca bilateral em simultâneo por abordagem anterior direta. Desfazendo mitos
  • Artigo Original

Autores: Jorge Cruz de Melo; Carlos Branco; Ana Façanha; Ana T. Rocha; Cláudia Rodrigues; Manuel Padin; Fernando Leal
Instituições: The Porto Hip Unit
Revista: Volume 29, Fascículo III, p206 a p217
Tipo de Estudo: Estudo Retrospetivo
Nível de Evidência: Nível IV

Submissão: 2021-03-07
Revisão: 2021-09-10
Aceitação: 2021-10-30
Publicação edição electrónica: 2022-04-29
Publicação impressa: 2022-04-29

INTRODUÇÃO

Há uma incidência crescente de coxartrose, associada ao aumento da longevidade da população e ao diagnóstico em indivíduos cada vez mais jovens,  atingindo cerca de 3,1% da população, podendo ser bilateral e sintomática em até 42% destes casos1.

A dor, rigidez e impotência funcional, de início insidioso, mas progressivo, leva frequentemente ao tratamento cirúrgico, sendo a prótese total da anca (PTA), o procedimento de escolha. Sabe-se que cerca de 17% dos pacientes submetidos a PTA têm sintomas na anca contralateral, com necessidade de PTA em cerca de 25% destes2,3. Nestes doentes, a melhoria clínica e funcional apenas é conseguida com o tratamento cirúrgico de ambas as ancas, podendo o tratamento da primeira anca ser mesmo considerado falhado, no que diz respeito ao objetivo de ganho de qualidade de vida, até ao tratamento da anca contralateral4.

O conceito de PTA bilateral no mesmo tempo cirúrgico (PTA-BS), foi introduzido em 1967 por John Charnley, publicando uma série de cinquenta casos em 19715. No entanto, pelo habitual posicionamento em decúbito lateral, a necessidade de reposicionar o paciente, o longo tempo cirúrgico, os riscos associados a este procedimento e pelos escassos estudos a grande escala, a PTA-BS teve baixa implantação. Assistimos nas últimas décadas a um desenvolvimento médico e tecnológico, com o aparecimento de novos e melhores materiais, desenvolvimento de técnicas cirúrgicas tendencialmente menos invasivas e programas de reabilitação mais dirigidos e otimizados, renascendo novamente o interesse na PTA-BS.

Este procedimento, quando indicado, apresenta diversas vantagens: apenas um tempo cirúrgico e anestésico, recuperação da função e capacidade de  marcha no mesmo período, com redução do tempo total de fisioterapia2. Há um claro benefício pessoal, familiar, social e económico, com um internamento cumulativo menor, menor tempo de incapacidade e dependência, assim como menor tempo de absentismo laboral3,6–8. A otimização dos cuidados de saúde centrados na prestação ao paciente e os resultados conseguidos, vêm ao encontro de uma das grandes preocupações nos cuidados de saúde, “valor em saúde”: menos gastos para os mesmos ganhos.

Tradicionalmente, existe preocupação com potenciais complicações associadas a PTA-BS, com estudos a descreverem um risco duas vezes superior de fenómenos trombo-embólicos nesta abordagem9,10. Vários artigos comparando PTA-BS ou PTA em tempos diferidos (PTA-BD), parecem refutar estas preocupações ao mostrar percentagens de trombose venosa profunda (TVP), trombo-embolia pulmonar (TEP), embolia gorda, infeção e taxas de mortalidade semelhantes à da cirurgia unilateral11–15. Esta discrepância de resultados é, também em parte, devida a um viés de seleção das amostras, pela não padronização do doente alvo. Muskus et al, concluem que a PTA-BS parece ser segura em doentes selecionados, com menos de 75 anos, sem fatores de risco, como doença cardiovascular, artrite reumatoide ou co morbilidades, ou seja, ASA 1-2 na classificação da Sociedade Americana de Anestesiologia, não estando a segurança do procedimento comprovada noutro tipo de doentes9,16.

A estratégia cirúrgica tem importância nos resultados obtidos. Idealmente deve ser utilizada uma abordagem cirúrgica rápida, eficaz, minimamente  invasiva e que limite o dano cirúrgico. A maioria dos estudos baseia-se em abordagens em decúbito lateral que, mesmo que minimamente invasivas, apresentam dificuldades logísticas no posicionamento e preparação do doente. A abordagem anterior direta (AAD), realizada em decúbito dorsal, está associada a menor tempo cirúrgico, menos agressão, menores perdas sanguíneas, menos dor e recuperação mais rápida, comparativamente às abordagens tradicionais17,18.

Com este estudo pretendemos mostrar a nossa experiência com a PTA-BS-AAD, mostrando os resultados funcionais, procurando desmistificar os receios de complicações e mostrar os benefícios com este tipo de procedimento. Para isso pretendemos a resposta a três questões: é a PTA-BS-AAD um procedimento seguro? Quais os cuidados e atitudes a assumir para garantir essa segurança? Este procedimento apresenta vantagens?

MATERIAL E MÉTODOS

Realizamos um estudo retrospetivo dos anos de 2019 e 2020, incluindo todos os pacientes submetidos a PTA-BS-AAD neste período.

Foram consultados os dados clínicos constantes no processo, nomeadamente o Harris Hip Score (HHS), a Escala Visual Analógica da Dor (VAS) e a  avaliação radiográfica pré-operatória e aos 3 meses.

Foi realizada entrevista telefónica a todos os pacientes, para completar a informação constante nos processos eletrónicos.

Foram incluídos os 17 pacientes submetidos a PTA-BS-AAD, 4 no ano de 2019 e 13 em 2020. As características demográficas e o estado funcional  pré-operatório estão descritos na Tabela 1.

A idade média foi de 54 anos (25-67 anos), 14 doentes eram do sexo masculino e 3 do sexo feminino. O diagnóstico inicial foi coxartrose primária em 52,9%, necrose avascular da cabeça do fémur em 23,5%, conflito femoro-acetabular em 17,7% e artrite reumatoide em 5,9%. Quanto à avaliação das co morbilidades, utilizou-se a escala da Sociedade Americana de Anestesiologia, sendo que 2 doentes eram ASA-1, 14 ASA-2 e 2 ASA-3. Apresentavam um índice de massa corporal (IMC) médio de 26,9 (22,6- 34,3). Apenas 4 doentes eram fumadores. A hemoglobina pré-operatória média era de 14,28 g/dl (11,9-16,4 g/dl).

Técnica cirúrgica

Todos os doentes foram operados pelos cirurgiões seniores, com experiência de mais de 200 PTA primárias por ano, por AAD. O estado clínico dos pacientes foi otimizado antes da cirurgia, procurando ter uma hemoglobina pré-operatória de pelo menos 13 gr/dl, para evitar a necessidade de  transfusão de glóbulos rubros (GR). Os doentes com anemia prévia, com hemoglobina menor que 12g /dl para mulheres e 13 g/dl para os homens, foram  orientados a consulta de anemia para otimização dos valores de hemoglobina pré-operatória.

O protocolo cirúrgico é o padronizado para os doentes submetidos a PTA-AAD unilateral.

A técnica anestésica intraoperatória utilizada foi a anestesia geral balanceada ou loco-regional. A anestesia geral foi preferida por proporcionar uma otimização da técnica cirúrgica, sendo a loco-regional para os casos de maior risco anestésico. Os pacientes não foram submetidos a cateterismo urinário.

O doente é posicionado em decúbito dorsal, em mesa cirúrgica universal, de modo a permitir hiperextensão da anca. Cuidados de assepsia local e campos cirúrgicos preparados, no mesmo tempo, para ambas as ancas, com os membros inferiores livres, de forma a permitir mobilização e o posicionamento em adução, rotação externa e hiperextensão.

A incisão cutânea, pode ser longitudinal ou biquíni. Foi usada como referência a espinha ilíaca ântero-superior (EIAS), traçando-se uma linha longitudinal com início 2 cm lateral e 1 cm à EIAS, que cursa distalmente e ligeiramente obliqua para lateral sobre o músculo tensor da fáscia lata (TFL). A referência para a incisão biquíni foi efetuada marcando uma linha cerca de 6 cm distal à EIAS, paralela a linha inguinal, cruzando a linha longitudinal, cursando cerca de 1/3 para medial e 2/3 para lateral. Após a incisão superficial, a gordura subcutânea foi dissecada até à fáscia superficial sobre o TFL. Esta dissecção deve ter em atenção o nervo femoro-cutâneo, sobretudo o primeiro ramo, que frequentemente se encontra no campo cirúrgico, devendo sempre que possível ser identificado e poupado. A incisão da fáscia superficial foi efetuada sobre o TFL, longitudinalmente. A dissecção medial  entre o músculo e a fáscia superficial leva ao espaço de Heuter, entre o TFL e o reto femoral (RF), e à fáscia profunda e região pré-capsular. Nesta região encontramos os ramos da artéria femoral circunflexa lateral que devem ser coagulados ou por vezes laqueados. Colocados os afastadores cirúrgicos, foi realizada capsulotomia anterior em U, desde o rebordo acetabular, face lateral do colo femoral e ao longo da linha intertrocantérica, sendo o flap capsular referenciado com fio de sutura. Realizada osteotomia do colo femoral, simples ou em alguns casos com duplo corte, seguida de extração da cabeça femoral. É importante completar a libertação medial da cápsula, colocando a anca em flexão, abdução  e rotação externa de forma a palpar e visualizar o pequeno trocânter, e de seguida a libertação lateral, desinserindo toda a cápsula na face medial do grande  trocânter, de forma a ver e sentir a extremidade superior do mesmo e permitir a elevação femoral. A libertação femoral é essencial nesta cirurgia. Foram colocados os afastadores acetabulares, realizada a preparação do mesmo e colocado o componente acetabular definitivo, habitualmente de tamanho 2 a 4 mm acima do diâmetro da cabeça femoral, sendo o posicionamento ideal entre os 40-45º de inclinação e 10-20º de anteversão.

Para a preparação femoral, e de forma a minimizar complicações, é importante a mobilização e elevação femoral. Após a colocação do elevador femoral, o membro inferior foi colocado em adução, rotação externa e ligeira extensão, de forma a permitir um acesso e preparação adequados. Nesta fase foram  realizadas avaliações de comprimento, mobilidade, estabilidade e controlo radiológico para avaliar posicionamento de componentes e off-set lateral e longitudinal. Após colocação de componentes definitivos a cápsula foi reposicionada, a fáscia superficial e os planos superficiais encerrados, com aproximação dos bordos cutâneos e aplicação de rede e cola (Dermabond ®).

O protocolo anestésico foi semelhante em todos os doentes. Foi administrado dose única de 15mg/Kg de Acido Tranexámico intravenoso, antes do início  da cirurgia, excepto se contraindicado por patologia cardíaca, eventos troboembólicos prévios ou doença oncológica ativa. A antibioterapia profilática foi iniciada no pré-operatório com 2 gr de Cefuroxima intravenosa na indução anestésica, mantida nas primeiras 24 horas. Protocolo adaptado no caso de hipersensibilidade conhecida à penicilina e/ou cefalosporinas.

No protocolo de analgesia pós-operatória, foram utilizados analgésicos centrais não opioide intravenosos (IV), anti-inflamatórios não estroines  (AINEs) IV, neuro-moduladores orais e opioides IV de resgate, o mesmo que é utilizado nos doentes com cirurgia unilateral. Em todos os doentes foi  realizada infiltração local, descrita como LIA, com uma solução de Soro Fisiológico 60 ml associado a Cetorolac 30 mg, e Ropivacaína 30 ml (7,5% até 50 kg e 10% se > 50kg).

A cirurgia da segunda anca é iniciada enquanto se faz o encerramento da primeira incisão, sendo os pensos realizados no final (Figura 1).

Desde 2020, não é utilizado hemodreno por rotina, mas foi utilizado nos doentes operados em 2019 e em 2 doentes operados em 2020.

Foram implantados acetábulos não cimentados em metal trabecular (Pinnacle J&J ®) e haste não cimentada revestida (Corail J&J ®). O par articular  cabeça 28, 32 ou 36 cerâmica (Delta Ceramtec) e polietileno altamente reticulado (AltreX J&J ®).

Reabilitação pós-operatória

O programa de reabilitação foi iniciado no 1º dia pós-operatório, com apoio do fisioterapeuta, e consiste em atividades de higiene pessoal, exercícios, treino de marcha e escadas. Não há limitações de posicionamento e mobilidades. Desde logo é permitida a carga total com ajuda de canadianas. O doente tem alta hospitalar quando adquire autonomia e conforto em todas estas atividades, sendo instruído para manter atividades e exercícios no domicílio, com recomendação de uso de canadianas, para conforto, por 3 a 6 semanas.

A fisioterapia foi aconselhada após a 3º semana, sendo nesta altura permitido o abandono progressivo das canadianas e a possibilidade de conduzir, se  adquirido controlo funcional que o permita.

Os doentes foram avaliados em consulta no final do primeiro mês e aos três meses, altura em que realizaram radiografia de controlo. Posteriormente são avaliados, com radiografias, ao ano, e depois de 2 em 2 anos.

Análise Estatística

Os dados foram analisados através do SPSS v.23, tendo sido recolhidos por análise dos processos hospitalares e entrevista telefónica.

Em relação à avaliação funcional dos doentes, utilizou-se o HHS e a VAS no pré-operatório e aos 3 meses pós-operatório. Registou-se ainda quando deixam de usar as canadianas e o reinício da condução, o que consideramos como recomeçar uma “vida normal calma”.

Foram também avaliadas variáveis relacionadas com a cirurgia: tempo cirúrgico (definido desde a colocação dos campos até ao penso final), baixa de  hemoglobina e necessidade de transfusão de GR, tempo de internamento e complicações intra e pós-operatórias, ocorridas nos primeiros 3 meses, com  particular ênfase para fenómenos tromboembólicos, infeção e complicações cardiovasculares.

RESULTADOS

Foram incluídos 17 doentes, sendo que nenhum foi perdido no follow-up.

O tempo médio de cirurgia foi de 134 minutos (DP de 4,12). O internamento teve uma duração mediana de 3 dias, com o mais curto de 2 dias e o mais longo de 6 (Tabela 2).

Verificou-se uma baixa média nos valores de hemoglobina de 2,99 g/dl, sendo que apenas um dos doentes apresentava hemoglobina pós-operatória inferior a 10g/dl. Este doente apresentou valores de hemoglobina pós-operatória de 8.2 gr/dl e pré de 11.3g/dl não tendo sido possível melhor optimização  pré-operatória. Foi o único doente transfundido com uma unidade de GR (Tabela 3).

Não se verificaram intercorrências ou complicações, nomeadamente fenómenos trombo-embólicos. Um doente apresentou deiscência superficial da ferida  cirúrgica, que necessitou de encerramento.

No Rx de controlo aos 3 meses, foram avaliados o posicionamento e a integração dos componentes (Figura 2). Verificou-se integração dos componentes em todos os pacientes, uma diferença na inclinação acetabular média de 45,5 º à esquerda e 41,5º à direita com significado estatístico (p=0,01) e as  hastes femorais apresentam bom posicionamento e alinhamento, sendo que quatro, três direitas e uma esquerda, apresentavam um varo ligeiro (entre 3-5º). Não se verificou dismetria em nenhum paciente (Tabela 4).

Resultados funcionais

Há uma clara diminuição da dor, tendo em conta a VAS, onde se verificou uma melhoria de 7 pontos do pré-operatório para o pós-operatório (Tabela 5). Aplicando o HHS, verificou-se uma melhoria média de 45,8 pontos à direita e de 45,9 à esquerda (Tabela 5).

O tempo de retorno à condução foi coincidente com o tempo médio até o abandono por completo das canadianas: 30 dias. De ressalvar que 2 dos doentes não conduzem e um doente manteve as canadianas por co morbilidades associadas.

DISCUSSÃO

A PTA-BS-AAD é um procedimento seguro? Quais os cuidados e atitudes a assumir para garantir essa segurança? O procedimento apresenta vantagens?

Em 1971 Jaffe and Charnley publicaram uma série de 50 cirurgias, de PTA-BS, com excelentes resultados5, no entanto, o receio da agressividade cirúrgica e complicações associadas, como TVP, TEP, infeções, fez com que este tratamento fosse raramente realizado19–22.

De acordo com o Registo Nacional de Artroplastias do Reino Unido (RNA-RU) de 2017, 16% dos 767.965 doentes operados foram submetidos a PTA  bilateral, mas apenas em 0,6% o procedimento foi simultâneo23. Thomas Partridge et al, numa análise dos RNA-RU, nos doentes operados entre 2014 e  2015, refere aumento do risco de mortalidade e de complicações peri e pós-operatórias nos doentes operados em simultâneo. No entanto, considerando  doentes com menos de 60 anos, sem co morbilidades, em centros com experiência de pelo menos 5 PTA-BS por ano, esses riscos são semelhantes aos  doentes operados em dois tempos6,24. Ressalva-se porem que o RNA-RU tem uma amostra não uniformizada, com doentes operados por diferentes técnicas, abordagens, e cirurgiões de variados níveis de experiência e diversos programas de anestesia e reabilitação o que enviesa os resultados.

Na nossa série não foi encontrada nenhuma complicação peri ou pós-operatória, nomeadamente, alterações cardiovasculares, trombo-embólicas ou infeção, relacionadas com a bilateralidade do procedimento. De referir em apenas um doente, com Linfoma e quimioterapia recente, deiscência cutânea de uma das suturas. Realça-se também as perdas hemáticas pouco significativas, com baixa média de hemoglobina de 2,99 gr/dl, com necessidade de transfusão em apenas um doente, com co morbilidades e baixa hemoglobina pré-operatória.

A mudança de paradigma, cirurgias menos invasivas, internamentos mais curtos, programas de reabilitação otimizados, tornaram a PTA uma  cirurgia mais segura e mais fácil para o doente e com uma recuperação mais rápida. A população que necessita desta cirurgia também se alterou, sendo constituída por indivíduos mais jovens, numa fase ainda bastante ativa da vida e por isso com uma maior demanda funcional. Por estes motivos, muitos autores têm investigado a eficácia e segurança do procedimento bilateral em simultâneo, comparando com o procedimento em dois tempos25. Há uma clara redução de custos hospitalares, quando comparamos o procedimento bilateral simultâneo, com o procedimento em dois tempos. A PTA-BS  utiliza um tempo de bloco, anestesia e recobro, um internamento e um período de reabilitação, com muito menor tempo de perda laboral cumulativo. Os  gastos com medicação são também únicos. Reuben et al em 1998 calcularam uma redução de custos de 25%, quando comparada com a realização das PTA em diferentes tempos cirúrgicos18,20,26.

Com esta estratégia cirúrgica, PTA-BS-AAD, um paciente informado e otimizado, uma equipa experiente, que garanta efetividade anestésico-cirúrgica, sem restrições de movimentos e carga no pós-operatório imediato, são conseguidos melhores resultados clínicos, com baixo risco e taxa de  complicações, com excelentes resultados em termos de segurança e eficácia. A técnica cirúrgica AAD é um fator importante, para além da otimização  logística intraoperatória fruto do posicionamento do doente, permite minimizar a agressão cirúrgica, perdas sanguíneas e tempo cirúrgico. Relembramos  que no nosso estudo o tempo médio de cirurgia foi de 134 min, e internamento mediano de 3 dias.

A resolução da coxartrose bilateral em simultâneo, permite a otimização da reabilitação das ancas e capacidade de marcha, ao eliminar morbilidades  como rigidez, flexo ou dores na anca contralateral. Em alguns pacientes a limitação funcional das ancas é mesmo um fator que obriga ao tratamento  em simultâneo (Figura 3). O paciente recupera autonomia motora rapidamente, tornando–se independente, capaz de deambular e conduzir, na maioria dos casos em cerca de um mês. O regresso às suas atividades de lazer e laborais é possível a partir das 6 semanas tendo em conta o tipo de atividade4,7,10,17.

Uma das preocupações com a PTA-BS são as perdas hemáticas. Trojani et al, no seu estudo revelou um aumento de transfusões autólogas de 20-40%,  alertando para a necessidade de implementação de estratégias poupadoras de sangue7. Nesta linha, a administração de acido tranexâmico revelou-se seguro e eficaz na redução da hemorragia intraoperatória27. No entanto, vários estudos chamam a atenção para o facto dos doentes geralmente  admitidos para a PTA-BS, serem mais jovens, mais saudáveis, logo com um limiar para transfusão mais alto12,15,16. Os nossos resultados estão em linha com estudos mais recentes, onde foram aplicadas técnicas cirúrgicas e anestésicas mais poupadoras de sangue, com uma baixa média de hemoglobina de 2,99 gr/dl, sendo que apenas um dos doentes foi transfundido. Procuramos que os nossos pacientes apresentem valores de hemoglobina pré-operatória superiores a 13 gr/dl.

Este estudo apresenta algumas limitações, como o pequeno tamanho da amostra e o curto espaço de seguimento. É uma amostra variada, com pacientes  jovens (idade inferior a 70 anos), a maioria sem co morbilidades significativas, com ASA 1 e 2, e dois com co morbilidades significativas, associadas a AR e Linfoma (ASA 3).

No paradigma do mundo moderno, pautado pela busca da qualidade de vida e rapidez de recuperação, a PTA-BS-AAD revela-se um procedimento eficaz  e seguro na maioria dos pacientes. Considerando o conceito de “Valor em Saúde”, como a relação entre os resultados conseguidos, relevantes para qualidade de vida do doente, e os custos associados ao tratamento, necessários para obter esses resultados, a PTA-BS-AAD vem acrescentar valor, quer nos custos diretos relacionados com o tratamento da coxartrose bilateral, quer nos indiretos, laborais, sociais e familiares.

A informação e formação do paciente, tem um papel muito importante na decisão e no processo de tratamento e reabilitação. A efetividade cirúrgica  e a recuperação adequada, permitem o retorno às atividades de vida diária, lazer e laboral.

Dentro do nosso conhecimento, é o primeiro estudo a revelar os resultados deste procedimento em Portugal.

CONCLUSÃO

A PTA-BS-AAD apresenta-se como um procedimento eficaz, seguro e com bons resultados no tratamento da coxartrose bilateral. Na série apresentada este procedimento não esteve associado a complicações, nomeadamente trombo-embólicas, revelando-se seguro para os pacientes.

Este procedimento vem acrescentar “valor em saúde”, permitindo uma clara redução de custos, diretos e indiretos, no tratamento da coxartrose  bilateral, com resultados no mínimo iguais aos da cirurgia unilateral ou em dois tempos.

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