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Volume 29, Fascículo III   Tratamento cirúrgico da braquimetacarpia através da técnica de osteogénese por distração com sistema de osteotaxia
Tratamento cirúrgico da braquimetacarpia através da técnica de osteogénese por distração com sistema de osteotaxia
Tratamento cirúrgico da braquimetacarpia através da técnica de osteogénese por distração com sistema de osteotaxia
  • Artigo de Revisão

Autores: Rita Lopes; Marcos Carvalho; Cristina Alves; Pedro Sá Cardoso; Tah Pu Ling; Gabriel Matos
Instituições: Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - CHUC, EPE
Revista: Volume 29, Fascículo III, p256 a p264
Tipo de Estudo: Estudo Prognóstico
Nível de Evidência: Nível III

Submissão: 2020-04-15
Revisão: 2021-05-10
Aceitação: 2021-05-20
Publicação edição electrónica: 2021-07-02
Publicação impressa: 2022-04-29

INTRODUÇÃO

A braquimetacarpia congénita carateriza-se por um encurtamento idiopático do metacárpico, crendo-se relacionada com o encerramento prematuro da placa epifisária1,2. Esta condição pode ocorrer esporadicamente de modo isolado, ser consequência de uma lesão traumática ou parte de uma anomalia complexa da mão ou síndrome generalizada3. Outras patologias como a hipertensão ou o pseudohipoparatiroidismo podem associar-se ao encurtamento dos dedos e devem ser consideradas no diagnóstico diferencial4,5. A braquimetacarpia é uma patologia rara com uma incidência de 0,02-0,05%1 e que atinge predominantemente o 3º, 4º e 5º metacárpicos6. Como deformidade isolada, a indicação para intervenção cirúrgica é estética ou funcional. O impacto estético e funcional da braquimetacarpia depende do grau de encurtamento, anomalias associadas e da função dos restantes dedos3. Existem várias opções cirúrgicas para obter um alongamento ósseo, onde se destaca a técnica de osteogénese por distração com sistema de osteotaxia. Este procedimento permite o alongamento dos tecidos moles e formação óssea de forma progressiva, até cerca de 15mm, sem necessidade de aplicação de enxerto ósseo3. Esta técnica permite a obtenção de um osso de qualidade  semelhante ao tecido ósseo primitivo7, mantendo a mobilidade ativa dos dedos da mão6 e associando-se a uma alta taxa de sucesso, com bons resultados estéticos e funcionais2,8.

DESCRIÇÃO DO CASO

Doente do sexo feminino, 14 anos de idade, observada em consulta por encurtamento do quarto raio da mão direita com impacto estético valorizável  e sem limitação funcional (Figuras 1a e 1b). Sem antecedentes de trauma ou outros a relevar. Nas radiografias (anteroposterior e perfil) da mão  observou-se um encurtamento de 16mm do quarto metacárpico direito (Figuras 2a e 2b) em relação ao contralateral (Figuras 3a e 3b).

A doente foi submetida a um alongamento do 4º metacárpico por técnica de osteogénese por distração com sistema de osteotaxia (mini-rail-orthofix®) (Figuras 4a e 4b). Sob anestesia geral realizou-se uma incisão cutânea dorsal com início proximal na base do 4º metacárpico, considerando a zona óssea pretendida para aplicação dos pinos ósseos e osteotomia metacárpica. Realizou-se dissecção romba com proteção do aparelho extensor e incisão longitudinal do periósteo, permitindo a sua proteção, retração circunferencial e definição dos contornos radial e cubital do metacárpico. Após controlo com intensificador de imagem e sob observação direta realizou-se a colocação dos pinos ósseos (2.0mm) bicorticais, em posição central na metáfise proximal do metacárpico, com 15º de inclinação cubital para proteção do aparelho extensor do quarto dedo. Procedeu-se à mesma técnica para aplicação dos 2 pinos ósseos bicorticais, centrais de fixação distal. No ponto central entre a colocação dos pinos proximais e pinos distais realizou-se uma osteotomia subperióstica transversa com serra a baixa rotação e sob irrigação com soro, permitindo o controlo e precisão adequados a um osso de pequena dimensão e relativa fragilidade. Colocou-se o sistema de osteotoxia (mini-rail-orthofix®), previamente testado para a distância adequada dos pinos aplicados e procedeu-se ao encerramento por planos (periósteo, tecido celular subcutâneo e pele). Realizou-se o controlo do adequado alinhamento e posicionamento do fixador externo sob observação direta e com apoio de intensificador de imagem  (Figuras 5a e 5b).

O pós-operatório imediato decorreu sem intercorrências. Foi relembrado e entregue o documento com as instruções e cuidados do processo de alongamento ósseo com osteotaxia e iniciada a distração mecânica ao 7º dia de pós-operatório em ambulatório a um ritmo de 0,5mm/dia (0,25mm de 12/12h). O tempo de distração foi de 35 dias para um alongamento de 16mm, tendo sido periodicamente avaliada em consulta, a evolução clínica e radiográfica do processo de distração óssea. Na primeira semana de alongamento verificou-se uma infeção cutânea superficial no orifício de um dos pinos proximais de fixação óssea, complicação que teve uma resolução linear após tratamento com antibioterapia empírica oral durante 7 dias. A doente manteve-se sem dor e com mobilidade completa dos restantes dedos da mão. Ao 35º dia de pós-operatório verificou-se radiograficamente uma formação tubular óssea por calodiastase, com o alongamento pretendido de 16mm, pelo que foi suspenso o processo de distração óssea e iniciado o  período de consolidação (Figuras 6a e 6b). Ao 105º dia de suspensão do alongamento foi observada consolidação óssea sem desvios secundários (Figuras 7a e 7b), tendo sido removido o fixador externo na consulta externa sem necessidade de procedimento anestésico (Figuras 8a, 8b, 8c e 8d). A doente manteve-se colaborante na mobilização ativa do quarto dedo durante o período de alongamento e consolidação, sem repercussão funcional relevante nas suas atividades diárias ou necessidade de fisioterapia.

Aos 7 meses de pós-operatório a doente apresentava mobilidade metacarpofalângica do 4º raio sem limitações (simétrica com o raio contra-lateral),  cicatriz cirúrgica sem sinais inflamatórios ou hipertrofia, elevado grau de satisfação com o procedimento (Figuras 9a e 9b) e radiograficamente  verificava-se a manutenção do comprimento obtido, sem falência de consolidação óssea (Figuras 10a e 10b). Aos 12 meses de pós-operatório foi realizada uma avaliação funcional através do Quick-Dash Score, tendo-se registado um resultado de zero, refletindo um resultado funcional máximo. Aplicou-se ainda a Escala Visual Analógica (EVA) para a satisfação com o procedimento cirúrgico e recomendação do procedimento cirúrgico a outros  doentes, tendo em ambas as variáveis a doente atribuído a valorização máxima (EVA=10).

DISCUSSÃO

O tratamento da braquimetacarpia congénita isolada deve ser adequada a cada doente e às suas expetativas, tendo como objetivo a harmonização  estética da mão e a sua melhor funcionalidade.

Alguns autores referem o predomínio desta patologia no sexo feminino1,6. Não existe um consenso relativo à idade para a realização do alongamento ósseo, contudo alguns trabalhos indicam o período da adolescência como preferencial, devido à acelerada formação de regenerado e consolidação óssea, à proximidade temporal para o encerramento da placa epifisária e à motivação e capacidade do doente e família para cooperar e cumprir as indicações e cuidados com o fixador externo6,9. O encerramento das epífises metacárpicas ocorre entre os 14 e 21 anos de idade, sabendo-se que crianças esqueleticamente mais maduras necessitam de mais tempo para consolidação óssea2. Por outro lado, quando o alongamento é realizado durante o período de maior crescimento ósseo da criança este está associado a um maior risco de cirurgias secundárias6. O uso da técnica de osteogénese por distração tem produzido resultados satisfatórios no tratamento da patologia da mão, nomeadamente de deformidades congénitas, amputações traumáticas, queimaduras e sequelas de infeção2. Contudo, exige a cooperação do doente e da família no pós-operatório. Estes devem entender o funcionamento do sistema de alongamento do fixador externo, saber higienizar os pinos de fixação óssea, identificar as complicações e sinais de alarme e terem disponibilidade para se dirigirem com facilidade a uma instituição hospitalar se necessário. Ao contrário do alongamento progressivo realizado pela técnica de osteogénese por distração descrita, existem opções de alongamento ósseo mais céleres (em um tempo), que permitem um alongamento imediato. Este método de alongamento agudo encontra-se limitado à possibilidade de alongar cerca  de 10mm, requerendo ainda a aplicação e fixação de enxerto ósseo e frequente libertação de tecidos moles e reconstrução ligamentar, estando associado a uma maior taxa de complicações2. Relativamente à osteotomia subperióstica, esta foi realizada com serra, existindo outras opções como a utilização do osteótomo e martelo que permite prevenir a potencial necrose óssea por lesão térmica associada à utilização da serra. Para evitar esta complicação, utilizou-se uma baixa rotação no corte com serra e uma irrigação contínua com soro para evitar a necrose dos topos da osteotomia. Considera-se ainda a utilização da serra como vantajosa especialmente em ossos tubulares de pequena dimensão e relativa fragilidade, permitindo um corte com movimentos controlados e de grande precisão.

No caso descrito obteve-se um alongamento ósseo de 16mm, o que corresponde a 44,4% do comprimento inicial do metacárpico e embora a literatura refira que não deve ser excedido um alongamento superior a 40% do osso original pelo risco de contractura ou défice de amplitude articular, não verificámos nenhuma destas complicações na nossa doente. O tempo de consolidação foi de 105 dias e o healing índex de 65,6 dias/cm. Segundo Bozan, a idade correlaciona-se positivamente com o healing índex e com o tempo de consolidação2, verificando-se que em crianças mais jovens o healing index e o tempo de consolidação é mais curto do que em crianças esqueleticamente maduras. O tempo de consolidação encontra-se ainda dependente do local da osteotomia, estando descrita a metáfise proximal como a zona mais favorável pelas vantagens biológicas associadas ao melhor suprimento sanguíneo, associando-se a um menor tempo de consolidação8. Quanto ao ritmo de alongamento ideal, não existe consenso na literatura, estando descritas variações entre 0,3mm a 1,5mm/dia2,6, devendo este ser individualizado à realidade de cada doente, uma vez que a limitação dos tecidos moles em acompanhar o ritmo de alongamento ósseo é variável, podendo condicionar contratura dos músculos interósseos e lumbricais ou tensão periostal6. Independentemente do ritmo de alongamento ósseo definido ab initio este deve ser adaptado à tolerância do doente à dor, ocorrência de parestesias, palidez cutânea ou outra intercorrência social ou psicológica que o justifique6,7. No caso descrito, o ritmo definido de 0,5mm/dia (0,25mm de 12/12h) permitiu o alongamento ósseo progressivo de 16mm sem intercorrências álgicas ou neurovasculares. No sentido de evitar intercorrências ósseas após o alongamento (pseudartrose ou fratura do regenerado), o tempo de consolidação definido foi o de 3 vezes o tempo de distração (105 dias). Este protocolo permitiu um excelente resultado funcional e satisfação da doente com o procedimento cirúrgico. A infeção superficial adjacente aos pinos de fixação óssea, à semelhança da que se verificou no nosso caso, é a complicação mais comum descrita na literatura, ocorrendo em 25-50% dos casos10. Em contraste, a infeção profunda de tecidos moles ou osteomielite são eventos raros com uma prevalência de 0-11%10.

A técnica de osteogénese por distração tem um papel importante no tratamento de deformidades congénitas da mão do adolescente, com excelentes  resultados estéticos e funcionais no tratamento da braquimetacarpia congénita. Por fim, realça-se que estes resultados só podem ser obtidos através  de uma técnica cirúrgica meticulosa indicada num doente e família com capacidade cognitiva para colaborar, compreender e integrar os cuidados  diários necessários ao manuseamento e utilização de um fixador externo para o efeito de alongamento ósseo.

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