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Volume 29, Fascículo IV   Lipoma arborescens: Uma causa rara de derrame articular do joelho
Lipoma arborescens: Uma causa rara de derrame articular do joelho
Lipoma arborescens: Uma causa rara de derrame articular do joelho
  • Caso Clínico

Autores: Diogo Gameiro; André Carvalho; Fábio Fernandes; Emanuel Seiça; Alexei Buruian; João Antunes
Instituições: Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Distrital Figueira da Foz
Revista: Volume 29, Fascículo IV, p352 a p358
Tipo de Estudo: Caso Clínico
Nível de Evidência: Nível V

Submissão: 2021-12-28
Revisão: 2022-07-30
Aceitação: 2022-09-05
Publicação edição electrónica: 2022-12-22
Publicação impressa: 2022-12-22

INTRODUÇÃO

Lipoma arborescens (LA) é uma lesão intra-articular rara caracterizada pela substituição patológica do tecido sinovial por tecido adiposo, que forma projeções vilosas no espaço articular. A articulação mais frequentemente afetada é o joelho, com especial predileção para o recesso suprapatelar1,2, mas estão descritos na literatura casos envolvendo o punho, cotovelo, ombro, anca e tornozelo3-5.

A apresentação clínica típica é o envolvimento monoarticular, em que o doente se apresenta na consulta com episódios de edema articular recorrente, dor. Apesar disso, existem casos descritos de envolvimento poliarticular4,6,7.

Os exames imagiológicos permitem atualmente fazer o diagnóstico com grande grau de certeza, sendo a ressonância magnética o exame gold-standard3,8. No entanto, o diagnóstico definitivo só pode ser feito após estudo anatomopatológico.

O tratamento definitivo consiste na resseção cirúrgica, quer seja por via artroscópica ou por artrotomia8.

RELATO DE CASO

Apresentamos um caso de um doente do sexo masculino, de 50 anos, que foi referenciado à consulta com a história de gonalgia esquerda e episódios de derrame articular recorrentes com um ano de evolução, exatamente após o doente ter iniciado prática desportiva (corrida), sem melhoria com a instituição de medicação antiálgica. Os sintomas agravavam sempre que o doente se exercitava e limitavam a sua qualidade de vida. Ao exame objetivo o doente tinha sinal da tecla presente e dor à palpação da interlinha medial e lateral do joelho, não existindo instabilidade antero-posterior ou varo-valgo.

Os valores séricos de ácido úrico, velocidade de sedimentação, proteína C reativa, fator reumatoide e anticorpos antinucleares encontravam-se todos dentro dos valores da normalidade. A radiografia do joelho esquerdo revelava sinais incipientes de gonartrose (grau 1 de Kellgren & Lawrence) - (Figura 1). A ressonância magnética revelou derrame articular massivo localizado ao recesso suprapatelar, associado a espessamento difuso da sinovial, sugestivo de Lipoma arborescens e ainda condropatia patelofemoral e tibiofemoral, bem como roturas degenerativas longitudinais do menisco interno e externo (Figuras 2 e 3).

A artroscopia revelou massas amareladas vascularizadas vilosas no recesso suprapatelar (Figura 4) e confirmou a condropatia (grau III de Outerbridge). O doente foi submetido no mesmo tempo cirúrgico a meniscectomia parcial interna e externa, pela instabilidade das lesões (preservando-se o máximo de menisco possível), biópsia sinovial e a sinovectomia do tecido macroscopicamente alterado. A cirurgia decorreu sem intercorrências e o doente teve alta no dia seguinte à intervenção. 

O estudo anatomopatológico revelou a presença de fibroadipócitos maioritariamente formados por conteúdo lipomatoso, cobertos por sinovial hiperplásica vilosa, que confirmou o diagnóstico de lipoma arborescens.

O período pós-operatório decorreu sem intercorrências e o doente referiu melhoria das suas queixas álgicas e ausência de derrame logo na avaliação na consulta 1 mês após intervenção. Ao 2º mês de pós-operatório o doente retomou a atividade laboral e desportiva, sem qualquer queixa, referindo ainda uma melhoria significativa na sua qualidade de vida, sem qualquer limitação para as atividades de vida diária.

DISCUSSÃO

O primeiro caso de LA foi descrito, em 1904, por Albert Hoffa. O nome desta entidade nosológica deriva da sua aparência ser semelhante às folhas de uma árvore1,9. Apesar de estar descrita há largos anos, a etiopatogenia da doença permanece uma incógnita1,10. No entanto, alguns autores postulam que o trauma, a osteoartrose, a gota e artropatias inflamatórias (como a artrite reumatoide, espondilite anquilosante e artrite psoriática) possam estar relacionados com a génese da doença2,9,11.

No passado esta doença parecia ter uma maior incidência em homens na faixa etária dos 50 aos 60 anos2,11 mas atualmente a predileção por um sexo parece não existir5.

A radiografia pode revelar aumento do volume do recesso suprapatelar com densidade de tecidos moles11,12 no entanto pode não revelar qualquer alteração sugestiva desta patologia13. Já a ecografia pode mostrar proliferação sinovial ecogénica e derrame articular11. A tomografia computorizada demonstra uma massa sinovial vilosa de densidade similar ao tecido adiposo3,12. A ressonância magnética é extremamente útil para o diagnóstico desta patologia, sendo o exame de escolha preferencial. No entanto o diagnóstico definitivo só é possível através de estudo anatomopatológico13.

Os achados artroscópicos são muito típicos, visualizando-se inúmeros glóbulos de aparência adiposa e projeções vilosas, cobertas pela membrana sinovial10.

Dado o carácter benigno da lesão, o tratamento desta condição, (sobretudo quando é um achado acidental), não é obrigatório. No entanto, quando os sintomas são manifestamente incapacitantes deve ser ponderado. As infiltrações intra-articulares com corticoide podem ser utilizadas para alívio temporário dos sintomas12, no entanto, a sinovectomia é o tratamento de eleição para esta condição e deve ser realizada o mais prontamente possível para prevenir ou pelo menos atrasar o desenvolvimento de artrose da articulação afetada14.

Atualmente o tratamento artroscópico deve ser a primeira linha de tratamento, com poucas complicações descritas e uma baixa taxa de recorrência, com várias vantagens, nomeadamente incisões cirúrgicas de menor dimensão, menos dor, recuperação mais rápida e períodos de internamento mais curtos, sendo ainda uma técnica de mais fácil aceitação pelo doente8,13,15. No entanto, lesões muito extensas podem não ser passíveis de tratamento artroscópico e a artrotomia pode ter de ser realizada12-14. A RM e o aspeto artroscópico da lesão dão-nos com grande grau de probabilidade o diagnóstico de LA, pelo que se optou, pela realização da biópsia no mesmo tempo cirúrgico que a sinovectomia.

Neste caso, o doente obteve melhorias clínicas significativas e ainda que possam dever-se parcialmente à meniscectomia parcial interna e externa, acreditamos que a melhoria clínica esteja relacionada, principalmente, com a sinovectomia realizada.

Este artigo tem como objetivo enfatizar a importância de ser considerada a hipótese de lipoma arborescens como diagnóstico num doente que se apresente com história de derrame articular recorrente, uma vez que o seu diagnóstico atempado parece evitar ou pelo menos atrasar o desenvolvimento do processo degenerativo articular.

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