• English
  • English
Volume 29, Fascículo IV   Sutura Artroscópica do Supraespinhoso
Sutura Artroscópica do Supraespinhoso
Sutura Artroscópica do Supraespinhoso
  • Vídeo - Técnica Cirúrgica

Autores: António Cartucho
Instituições: Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital da Prelada
Revista: Volume 29, Fascículo I, p57 a p64
Tipo de Estudo: Estudo Terapêutico
Nível de Evidência: Nível V

Submissão: 2019-10-29
Revisão: 2020-01-05
Aceitação: 2021-01-30
Publicação edição electrónica: 2021-11-22
Publicação impressa: 2021-11-22

INTRODUÇÃO

O tendão tibial posterior (TTP) é frequentemente afectado na artrite reumatóide (AR)1,2. A inflamação crónica pode levar a tenossinovite (inflamação), tendinose (degeneração) ou mesmo rotura do TTP, o que leva a sobrecarga dos estabilizadores estáticos do retropé, em especial dos ligamentos calcaneonavicular e talocalcaneano, com consequente desenvolvimento de um pé plano valgo3,4. O diagnóstico é baseado em elementos  clínicos, nomeadamente numa correcta anamnese e exame físico, e na imagiologia, na qual se destaca a ressonância magnética nuclear (RMN)5,6. Apesar da elevada sensibilidade diagnóstica, o estudo por RMN é dificultado pela inflamação crónica que se observa na AR. Num estudo com 17 doentes, cerca de 20% das roturas do TTP não foram identificadas por RMN7.

Na falência do tratamento conservador e nos casos de maior gravidade, a abordagem clássica do TTP por via aberta permite a realização de uma  sinovectomia completa, libertação das aderências e reparação tendinosa, se necessário8,9.

A tenoscopia do TTP, ou endoscopia da sua bainha tendinosa, foi inicialmente descrita por Wertheimer et al10 em 1995 como técnica endoscópica por  2 incisões, obtendo maior divulgação dois anos depois pelo trabalho em cadáver e como estudo clínico prospectivo por van Dijk et al11. Tem vindo a ganhar popularidade na abordagem diagnóstica e terapêutica da patologia do TTP12. É uma técnica minimamente invasiva que pode permitir o diagnóstico de patologia do TTP com maior sensibilidade do que a RMN13. Simultaneamente, permite a realização de uma sinovectomia alargada e exérese de aderências com menor formação de tecido cicatricial, menor dor no pós operatório e menor duração de internamento hospitalar, em comparação com a clássica abordagem aberta13,14.

CASO CLÍNICO

Um homem de 68 anos com história de AR de longa evolução foi observado na nossa consulta por dor e derrame articular do tornozelo direito. Negava  traumatismo directo ou indirecto do pé ou tornozelo, referindo início gradual dos sintomas ao longo do último mês e com um rápido agravamento na última semana.

Na observação, destacava-se edema e dor na região retromaleolar interna, ao longo do trajecto do TTP. Adicionalmente, o teste em pontas dos pés bilateral (heel rise test) era positivo, mas muito doloroso e com limitação da inversão do calcâneo à direita, em comparação com o lado contralateral.

Foi submetido a RMN do tornozelo direito que demonstrou tenossinovite intensa do TTP, edema dos tecidos moles peri-retinaculares e sinais de tendinose com aparente rotura de espessura completa ou parcial de alto grau do TTP com uma extensão de cerca de 3cm (Figura 1). Foi proposto para tenoscopia do TTP.

TÉCNICA CIRÚRGICA

O procedimento cirúrgico foi realizado com o doente em decúbito dorsal sob anestesia loco-regional com garrote na raiz da coxa. Utilizaram-se os portais descritos por van Dijk et al.11,o distal directamente sobre o TTP, cerca de 2cm distal e anterior ao bordo posterior do maléolo interno e  2cm proximal à sua inserção no navicular. Após abertura da pele e da bainha do TTP, introduziu-se um artroscópio de 2.7mm e 30graus de angulação (Dyonics; Smith & Nephew, Memphis, TN), com baixa pressão (cerca de 30mmHg). O segundo portal, cerca de 3cm proximal ao bordo posterior do maléolo interno, foi criado sob visualização directa através da introdução de uma agulha com 14mm de diâmetro (Figura 2). Confirmou-se intensa inflamação sinovial envolvendo o TTP, assim como aderências à própria bainha tendinosa e região retromaleolar interna (Figura 3). Procedeu-se a sinovectomia alargada e desbridamento de todas as aderências com um shaver artroscópico de 2.7mm (Smith & Nephew, Memphis, TN) (Figura 4). No final do procedimento, verificou-se que o TTP estava íntegro em pelo menos 50% da sua espessura e com normal excursão na inspecção com gancho palpador (Figura 5).

PÓS OPERATÓRIO

Após internamento de uma noite, o doente teve alta medicado com analgesia e enoxaparina com autorização para carga parcial e protegida durante 2  semanas com bota walker e canadianas. Às 2 semanas retirou material de sutura e foi autorizado a carga progressiva e mobilização total do pé e tornozelo em todo o seu arco de mobilidade. Às 6 semanas pós operatório, retirou bota walker e canadianas e foi orientado para reabilitação funcional sob orientação de Fisiatria. Não foi necessária colocação de ortótese para apoio da arcada plantar interna e retornou progressivamente às suas actividades do quotidiano ao longo dos meses seguintes.

RESULTADOS

A escala visual analógica (EVA) diminuiu de 9 no pré operatório para 3 aos 6 meses e para 1 no final do primeiro ano pós operatório. O Foot and Ankle Outcome Score (FAOS) subiu de 17% no pré operatório para 68% aos 6 meses e para 87% no primeiro ano pós operatório.

O doente retornou progressivamente às suas actividades do quotidiano, referindo apenas limitações nas actividades de maior impacto, nomeadamente no salto ou nas rotações do pé e tornozelo. No final do primeiro ano pós operatório e ao comparar ambos os pés, apresentava-se sem edema ou dor na palpação do trajecto do TTP. Mantinha arcada plantar e era capaz de realizar o apoio em pontas bilateral sem dor, mantendo alguma limitação da inversão do calcâneo direito quando comparado com o pé contralateral, embora sem impacto clínico (Figuras 6 e 7).

DISCUSSÃO

Este caso clínico apresenta particularidades a nível clínico, imagiológico e terapêutico que interessam discutir.

A história de AR de longa evolução, em conjunto com a relativa rapidez com que os sintomas se instalaram e agravaram, levantaram uma alta suspeita de rotura espontânea do TTP1-3. Ainda assim, o exame clínico mostrava pelo menos alguma competência do TTP, nomeadamente no teste em pontas bilateral, pois verificava-se a capacidade de inversão do calcâneo direito, ainda que algo limitada em relação ao pé contralateral. A RMN não era conclusiva em relação a uma possível rotura, pois era prejudicada pela tenossinovite intensa do TTP e edema dos tecidos moles peri-retinaculares, dificuldades bem descritas na literatura4-8.

Os objectivos da realização da tenoscopia do TTP eram, por um lado, diagnosticar com maior precisão o estado do tendão e, por outro, tratar a causa da sua disfunção.

Vários trabalhos têm vindo a demonstrar de forma consistente que a tenoscopia poderá ser mais sensível do que a RMN no diagnóstico de tenossinovite, tendinose ou roturas intersticiais ou parciais do TTP13,14. No caso apresentado, a tenoscopia permitiu confirmar que a intensa tenossinovite era a causa da disfunção do TTP, pela estenose que condicionava a nível retromaleolar interno.

A nível terapêutico, a sinovectomia alargada e desbridamento de todas as aderências permitiram a libertação do TTP, confirmando-se no final do  procedimento a integridade em pelo menos 50% da espessura tendinosa, assim como a sua normal excursão na inspecção com gancho palpador. Foi demonstrado que a libertação do TTP por via aberta leva a bons resultados tanto clínicos como no estudo por RMN, com diminuição marcada da  tenossinovite envolvendo o TTP8,9. Nesta caso, em que a libertação do TTP foi feita por via tenoscópica, obtiveram-se resultados sobreponíveis, com um rápido retorno do doente às suas actividades do quotidiano. A limitação da inversão do calcâneo à direita no teste em pontas não apresentava impacto clínico, não sendo necessária colocação de ortótese para apoio da arcada plantar interna.

Em conclusão, este caso clínico é ilustrativo da utilidade da tenoscopia na disfunção aguda do TTP, tanto a nível diagnóstico como terapêutico,  permitindo uma melhoria dos sintomas e dos scores clínicos a curto e médio prazo.

Referências Bibliográficas

1. Hammer HB, Kvien TK, Tersley L. Tenosynovitis in rheumatoid arthritis patients on biologic treatment: involvement and sensitivity to change compared to joint inflammation. Clin Exp Rheumatol. 2017; 35 (6): 959-965

2. Harman H, Tekeoglu I. Ankle pathologies in patients with inflammatory rheumatic diseases: a clinical and ultrasonographic study. Int J Rheum Dis. 2017; 20 (6): 675-684

3. Michelson J, Easlwy M, Wigley FM, Hellmann D. Posterior tibial tendon dysfunction in rheumatoid arthritis. Foot Ankle Int. 1995; 16 (3): 156-161

4. Jernberg ET, Simkin P, Kravette M, Lowe P, Gardner P. The posterior tibial tendon and the tarsal sinus in rheumatoid flatfoot: magnetic resonance imaging of 40 fee. J Rhematol. 1999; 26: 289-293

5. Bouysset M, Tebib J, Tavernier T, Noel E, Nemoz C, Bonnin M. Posterior tibial tendon and subtalar joint complex in rheumatoid arthritis: magnetic resonance imaging study. J Rheumatol. 2003; 30 (9): 1951-1954

6. Feighan J, Towers J, Conti S. The use of magnetic resonance imaging in posterior tibial tendon dysfunction. Clin Orthop Relat Res. 1999; 365: 23-38

7. Miller SD, Van Holsbeeck M, Boruta PM, Wu KK. Ultrasound in the diagnosis of posterior tibial tendon pathology. Foot Ankle Int. 1996; 17 (9): 555-558

8. Hasler P, Hintermann B, Meier M. Posterior tibial tendon dysfunction and MF imaging in rheumatoid arthritis. Rheumatol Int. 2002; 22 (1): 38-40

9. Tokunaga D, Hojo T, Takatori R, Ikoma K, Nagasawa K, Tkamiya H. Posterior tibial tendon tenosynovectomy for rheumatoid arhtritis: a report of three cases. Foot Ankle Int. 2006 Jun; 27 (6): 465-468

10. Wertheimer SJ, Weber CA, Loder BG, Calderone DR, Frascone ST. The role of endoscopy in treatment of stenosing posterior tibial tenosynovitis. J Foot Ankle Surg. 1995; 34 (2): 15-22

11. van Dijk CN, Kort N, Scholten PE. Tendoscopy of the posterior tibial tendon. Arthroscopy. 1997; 13 (6): 692-698

12. Cychosz CC, Phisitkul P, Barg A, Nickisch F, van Dijk CN. Foot and ankle tendoscopy: evidence-based recommendations. Arthroscopy. 2014; 30 (6): 755-765

13. Gianakos AL, Ross KA, Hannon CP, Duke GL, Prado MP. Functional outcomes of tibialis posterior tendoscopy with comparison to magnetic resonance imaging. Foot Ankle Int. 2015 Jul; 36 (7): 812-819

14. Bernasconi A, Sadile F, Welck M, Mehdi N, Laborde J, Lintz F. Role of tendoscopy in treating stage II posterior tibial tendon dysfunction. Foot Ankle Int. 2018 Apr; 39 (4): 433-442

   TOPO    Topo